Ouvindo um podcast sobre as milícias do Rio de Janeiro me peguei prestando atenção no pesquisador e jornalista Bruno Paes Manso, respondendo a uma pergunta, dizendo que a questão intrínseca e principal dessas organizações é o uso da violência em todos os seus sentidos práticos e simbólicos e que como tal, teria um “sentido psicanalítico”. Tal sentido, nos ajudará nesta pequena reflexão sobre a ditadura militar, podem me perguntar, “Rodrigo, o que isso tem haver com ditadura?”, respondo, “tudo meus querides”, as milícias no Rio, a agressividade da polícia em suas ações e a nossa relação pacífica e passiva com atos de violência com objetivo de resolver problemas são vestígios de um passado não elaborado.
Tomo aqui a perspectiva de elaboração proposta por Sigmund Freud em seu texto “Recordar, Repetir e elaborar” de 1914, em um sentido generalizado, a elaboração seria o momento em que podemos refletir sobre o que foi trabalhado na sessão de análise e o sobre o próprio sofrimento que nos toma. Essa proposta nos serve muito para nossa conversa aqui, pois nossa relação com o passado da Ditadura Militar, foi mais tratado como um trauma a ser esquecido, do que um sintoma que precisa ser elaborado.
Usualmente, ele se contentava em se queixar dela, desprezá-la como bobagem, subestimá-la em sua importância, mas de resto continuava com o comportamento recalcante em relação a suas manifestações, adotando a política do avestruz contra as origens da doença. (FREUD, 2017, p.151)
Mas você jovem que vai prestar o ENEM pode me perguntar: “a Ditadura não é um acontecimento traumático de nossa história?” Respondo: a Ditadura militar é um sintoma de uma história traumática de 522 anos, pairada pelo mal estar do autoritarismo e tendo na escravidão como a estrutura que rege nossas relações sociais até hoje, nossa história se desenvolveu pelo ritmo das repetições, pois quem não elabora o trauma, sofre e repete o sintoma, entendeu o que te digo?
A história costuma ser definida como uma disciplina com grande capacidade de “lembrar”. Poucos se “lembram”, porém, do quanto ela é capaz de “esquecer”. Há ainda quem caracterize a história como uma ciência da mudança no tempo. Quase ninguém destaca, no entanto, sua genuína potencialidade para reiterar e repetir. E a história brasileira não tem como escapar a essas ambiguidades fundamentais: se ela é feita do encadeamento de eventos que se acumulam e evocam alterações substanciais, também anda repleta de seleções e lacunas, realces e invisibilidades, persistências e esquecimentos. Além do mais, enquanto na sucessão cronológica do tempo destacam-se as alterações cumulativas, marcadas por fatos e eventos isolados — alterações de regime, golpes, mudanças econômicas, sociais e culturais —, não é difícil notar a presença de problemas e contradições estruturais que continuam basicamente inalterados, e assim se repetem, vergonhosamente: a concentração de renda e a desigualdade, o racismo estrutural, a violência das relações, o patrimonialismo. (SCHWARTZ, 2019. p. 223)
Em resumo, se não paramos para pensar sobre nossa história com certeza estaremos apenas repetindo os sofrimentos e os sintomas dessa História não elaborada, continuando com a nossa cabeça enfiada na terra, pois não saber é melhor que enfrentar o trauma.
É no arsenal do passado que o doente busca as armas com as quais se defende da continuidade do tratamento e que precisamos tirar dele peça, por peça” (FREUD, 2017, p.156)
O objetivo aqui é trazer a reflexão e para que sirva de repertório para a análise desse período histórico, se compreendermos o que os porões da ditadura têm das senzalas e pelourinhos, ou, o que as forças militares têm de capitães do mato, talvez possamos de verdade fazer justiça de nosso passado, não como objetivo de vingança, mas, para não esquecermos, ou pior. Rodrigo tem como ser pior? Sim, ao não elaborarmos podermos nos equivocar e no equívoco apoiarmos a barbárie e banalizar o mal.
Em 2018 os sintomas estavam em carne viva, iniciou um ataque narrativo em dizer que a Ditadura não existiu, ou que não foi tão ruim, é como pensar da seguinte forma, um sujeito sofre abuso e ao tentar expor, as pessoas tentem diminuir essa situação, dá para compreender a comparação? Eis, que esse texto tem como esse objetivo provocar essa reflexão, ou quem sabe uma elaboração sobre nossa História Traumática.
Um Abraço e até o próximo texto.
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