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por João Spacca de Oliveira, especial para o LiceuOnline.

Spacca por Spacca. Cartum especial para o acervo do LiceuOnline!

 

Bem como os historiadores, na construção da narrativa histórica a partir da investigação das fontes, os chargistas privilegiam aspectos diferentes de um mesmo objeto. João Spacca de Oliveira, que assinava suas charges como Spacca, nasceu em 1964, em São Paulo. Começou sua carreira como ilustrador aos 15 anos de idade. Concluiu estudos de desenho e comunicação na FAAP em 1983 e estreou como cartunista n’O Pasquim em 1985. Neste mesmo ano, ganhou um concurso para novos talentos da Folha de São Paulo, para o qual passou a desenhar as charges políticas até 1995, tendo feito charges de Sarney à Fernando Henrique Cardoso. Colaborou com as revistas de HQ ‘s Níquel Náusea e Front, bem como atuou como ilustrador de livros. Em 2005 recebeu o prêmio de charge no Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Lançou no dia 12 deste mês (Dezembro de 2022), na Livraria Travessa em São Paulo, e em parceria com a historiadora Lilia Schwarcz, o livro “Triste República: a primeira república comentada por Lima Barreto”. Como autor de histórias em quadrinhos publicou seis livros de História do Brasil, três deles em parceria com Schwarcz — Triste República é um deles. Os outros dois são Dom João Carioca, que trata da fuga da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, e As Barbas do Imperador, que conta a história de Dom Pedro II. Nesta entrevista, conversamos sobre sua formação, o desenvolvimento da cultura underground, sua atuação como chargista da Folha, dentre outros assuntos. Atualmente aluno de mestrado em História Social da Universidade de São Paulo, não seria demais dizer que Spacca é também um historiador.

 

Cristian: Em trabalhos acadêmicos sobre o humor gráfico, os pesquisadores geralmente partem para a compreensão deste conceito ou como uma categoria nativa – um conceito emprestado da etnografia que significa a forma como as pessoas utilizam os termos no cotidiano espontaneamente –, ou como uma categoria analítica – com valor heurístico. O humor gráfico, mesmo que utilizado em pesquisas acadêmicas, geralmente leva consigo as ambiguidades que são próprias das categorias nativas. Neste sentido, pode haver ainda uma certa confusão entre o que seria charge, cartum e comic. Esta confusão, acredito, passa, também, pela dificuldade de tradução: o espanhol, o inglês e  o português, bem como outras línguas, tratam o tema de forma diferente. Em inglês, por exemplo, só existem os termos “cartoon” e “comics”. Como o senhor, enquanto artista produtor deste conteúdo, define cada uma dessas categorias e quais as principais semelhanças e diferenças?

 

Spacca: Eu aprendi a usar estes termos de forma mais técnica; de uma forma que os artistas da minha área também usam. A gente está mais ou menos de acordo nisso. Por volta dos anos 70 surgiu, e existe até hoje, o evento “Salão de Humor de Piracicaba” [1], que estabelece prêmios para cada categoria. Charge é entendida sempre como cartum político, vinculada a acontecimentos do presente. Especialmente se refere aos assuntos políticos mesmo, mas pode tratar de qualquer coisa que se torne célebre no momento. Quer dizer, o cartum, de certa maneira, pode ser entendido como a piada gráfica no seu sentido mais geral e, dentro deste guarda-chuva, existe o cartum que visa acontecimentos do momento, especialmente políticos, que seria a charge. A palavra “charge” tem a ver com exagero e também ataque, então é dentro dela que costuma acontecer a crítica política, o ataque à figura. Para o cartum acabou restando aqueles temas menos presos ao cotidiano, menos presos a notícias ou fatos, e que têm um certo alcance mais filosófico…. Pode ser uma coisa do cotidiano, um assunto fantástico. Por exemplo, o clichê do náufrago na ilha. Às vezes, esses ambientes mais fantásticos, não diretamente ligados à política, podem remeter ao cenário atual, ao cenário político. Você pega um cenário qualquer, uma cena bíblica, por exemplo, que pela escolha dos temas fica claro que está falando de um presidente, ou de uma determinada situação política. O que quero dizer é que pode haver um uso chargístico de um tema clássico de cartum. Basicamente a diferença é essa: cartum seria a piada gráfica no seu sentido mais amplo e geral; e charge é aquele cartum sempre ligado a notícia, especialmente a política. Com relação ao comics, esse é o nome geral da história em quadrinhos nos EUA. Era chamado assim por razões históricas mesmo: as primeiras HQs eram cômicas, e as de ação ou aventura vieram só depois. Comics virou um nome para história em quadrinhos e, depois disso, foi introduzido o termo graphic novel, novela gráfica ou romance gráfico, para ter um status mais elaborado, porque o comics era tipicamente da indústria americana. 

 

Cristian: Ainda neste aspecto, existe uma diferença técnica no sentido de quantidade de quadrinhos, ou de tamanho, por exemplo?

 

Spacca: Não existe. Se tratando de publicação impressa, o cartunista pode fazer sua piada em um grande quadro de uma página inteira, ou pode dividir isso e fazer uma pequena história em quadrinhos. Pode usar texto, ou não usar. Algumas coisas acabam sendo obrigatórias, por exemplo: se você usa uma caricatura e ela remete a uma pessoa específica, aí você está vinculando esse cartum a um fato, a uma conjuntura de uma certa época, e isso torna mais difícil chamar de cartum. Vai ser, necessariamente, uma charge. O termo caricatura, pra mim, e para o Salão de Humor, é desenhar uma pessoa com traços exagerados. Porém, tem uma obra importante, a “História da Caricatura do Brasil” de Herman Lima que saiu nos anos 1960, em que o termo caricatura era usado para se referir a “desenho de humor”. Esse autor, que pegou o começo do século passado, usava o conceito de “portrait charge”, ou charge retrato. Caricatura às vezes significa o desenho de humor em geral. Devo dizer, também, que hoje, na minha prática com clientes, estes termos tem um uso muito confuso, realmente. Um cliente pede uma caricatura, pensando, talvez, em retratos praticamente realistas. Também pelo fato de que nos anos 1990 apareceu a cartoon network, e o termo cartum que nos EUA significa “desenho animado” se popularizou no Brasil, o que fez as coisas se embolarem um pouco. Os clientes pedem “eu quero um cartum” e eu dou uma amostra: “É isso aqui que você quer?” (risos). Eu dou uma amostra, antes. Tem gente que chama tirinha, se referindo a tiras de jornal, que é uma comic strip, que tem três ou quatro quadros… O jeito é combinar antes de qualquer explicação.

 

Cristian: Partindo para um próximo tema, penso que é impossível desvincular sua produção, acadêmica ou artística, de sua biografia. E durante as minhas pesquisas de mestrado, percebi um certo vínculo entre a sua arte e o contexto mais geral da produção de humor gráfico que estava acontecendo nas décadas de 1970 e 1980, principalmente com a publicação do jornal O Pasquim e da revista Chiclete com Banana. A hipótese que eu levantei para a pesquisa era a de que, talvez, essas duas publicações, tenham servido como uma espécie de “escola de formação” para você. Eu sei que na produção artística, principalmente se ela for seriada, os personagens, as técnicas, as formas e o estilo não são uma premissa dada, eles vão se construindo ao longo do tempo. Algumas coisas mudam, avançam, retrocedem, começam de novo, enfim… A pergunta seria a seguinte: como você definiria a influência real que essas publicações, não só da imprensa mainstream, mas também de alguns jornais sindicais em que trabalhavam alguns desses artistas, por exemplo, na sua própria produção, e quais os artistas que você elencaria que fizeram mais parte dessa sua formação?

 

Spacca: Gostei do termo que você usou: produções artísticas seriadas. De fato, isso aí teve uma importância extraordinária para mim. Não sei como é com o público em geral, mas eu era um desenhista muito motivado, uma criança que tinha um talento para desenhar já bastante desenvolvido, e o humor foi aparecendo aos poucos. Antes destas duas publicações que você menciona, a revista MAD foi um divisor de águas. Ela foi lançada no Brasil em 1974, acredito. Conheci a  revista com muitos cartunistas, inicialmente só americanos, mas também alguns mexicanos, e ela teve uma importância extraordinária. Para resumir: antes, eu estava acostumado com um tipo de humor, seja gráfico, seja em filmes, em que você tinha um personagem que era atrapalhado, e os outros eram normais. O mundo era normal, e eles é que eram estranhos, deslocados. A MAD, no entanto, mostra que o mundo é ridículo. E aí, faz sátiras de filmes, de anúncios, de publicidade, de livros, de publicações… Eu lembro de uma que era assim: Bíblia Pop. Eles falavam que as igrejas estavam preocupadas com a diminuição de fiéis, e então sugeriram que aprendessem com as revistas da juventude a fizessem a tal Bíblia Pop, em que tinha uma foto de Sansão como se fosse um popstar: “último babado de Sansão”, por exemplo. Essa revista foi trazida ao Brasil pelo cartunista Ota, que era o editor também, e aos poucos começaram a aparecer cartunistas brasileiros. Então, eu conheci os cartunistas ali. Apesar de ter contato com a Folha de São Paulo desde muito cedo, talvez eu não entendesse muito bem as charges. Mas na MAD começaram a aparecer os cartunistas. Geandre, Mariza, Nani e vários outros… E foi ali que apareceu uma notícia sobre o Salão de Humor de Piracicaba. Tudo começou a fazer sentido a partir daí. Eu comecei, dos 10 aos 15 anos, a procurar coisas mais representativas do mundo adulto. Conheci a obra do Henfil mais ou menos nesta época. Ele publicou um tempo em um suplemento do Jornal do Brasil, na revista do domingo. Teve uma edição da revista Veja em que o Millôr Fernandes dá uma entrevista e comenta cada um dos colegas, e então ele fala o que achava do Ziraldo, do Jaguar, do Fortuna e etc. Então comecei a pegar em vários lugares informações sobre essa atividade da charge, do cartum, do jornal… aos poucos fui tomando conhecimento dessa atividade. Com 12 anos quis participar do Salão de Humor, mandei trabalhos e não fui sequer exposto, mas fui lá com meu pai. Vi aqueles desenhos expostos, que eu percebia que eram muito bons, que eram para adultos, e que eu ainda não conseguia fazer. Na Folha de SP começou a aparecer uma coluna dirigida por Angeli. Com ele haviam Glauco, Laerte e uma série de outros. A Chiclete com Banana foi lançada nesta época. Então eu fui vendo um monte de coisas… Posso dizer que apesar de ser um desenhista quase nato, o humor foi sendo construído, fui querendo aprender como é que se fazia, e tentando imitar esse pessoal aí.

 

Cristian: Interessante citar a revista MAD, porque me suscita uma outra pergunta. Em um determinado momento, nos EUA, começa a existir uma produção chamada de underground, que de certa forma tenta se desvincular um pouco dos syndicates americanos – uma espécie de organização editorial de artistas e desenhistas que eram também distribuidoras, e tentavam impor certas regras. Não queriam que se tratasse de determinados assuntos como violência, terror, sexualidade, dentre outros. Isso em um contexto em que era mais ou menos senso comum que os quadrinhos deturpavam as mentes das crianças e dos jovens, e eles eram vistos com maus olhos porque houveram alguns trabalhos na área de psicologia que atribuíram essa pecha: de que ele afasta os jovens da leitura, do que seria uma verdadeira literatura. Aí surge essa produção underground, em que se retrata os temas que eles realmente querem. Acho que o principal nome a ser lembrado desta geração é o de Robert Crumb, mas tem uma série de outros artistas também. Mas veja que interessante: essa produção de comics que surge como underground passa por ela mesmo por um processo também de institucionalização, talvez até submisso a produção da indústria cultural de massa. O Pasquim, por exemplo, e a revista Chiclete com Banana, surgem vinculados com essa cultura underground, só que no Brasil. E também havia a presença de ditadura militar que, de certa forma, impunha uma determinada censura nas fases iniciais do d’O Pasquim. Você acha que houve um processo semelhante no Brasil? O Angeli foi publicado no Pasquim, mas depois começou a publicar na Folha, que era tida como uma imprensa mais mainstream. Continua sendo underground mesmo depois desses processos? Você se considera um artista underground?

Spacca: Acho que não, não é muito bem por aí. Todas essas etapas que você disse, tiveram momentos de surgimento. Então, uma onda moralizadora dos quadrinhos acontece só nos anos 1950. O livro é “A sedução dos Inocentes” [2], de um psicólogo alemão, que gera essa onda conservadora que visa especialmente os quadrinhos de sexo e terror. Existe uma contrapartida no Brasil a este movimento. Na verdade, aqui, o quadrinho apanhou de dois lados. Da direita, de padres e educadores que achavam que os quadrinhos iriam limitar a leitura. E da esquerda, porque eles eram essencialmente norte-americanos, então faria parte da cultura geral do imperialismo. Aquele código de ética que nos EUA proíbe ou limita a publicação do terror, não teve correspondência aqui. Então com essas interrupções, cria-se no Brasil a oportunidade de produzir o gênero aqui. Tem aí, em fins dos anos 1950 e início dos anos 1960, um boom de Hqs de terror ou de erotismo causado por este fluxo que é interrompido. Os livros do Gonçalo Junior[3] tratam isso muito bem. O movimento underground, claro, tem que ser compreendido inserido no contexto geral do movimento da contracultura dos EUA, que é meio que decorrência de todas aquelas contestações dos anos 1950, e vem um movimento que é muito visível, um movimento cultural de juventude, nascido nas universidades. O quadrinho underground expressa isso. É uma contracultura ocidental, apesar de que algumas alternativas vão ser buscadas no Oriente, ou em religiẽos alternativas, ou mesmo no psicodelismo, isto é, na experiência com os ácidos, com as drogas… Muitos quadrinhos do underground vão expressar isso. Ou eles vão fazer histórias doidas, ou fazer histórias que vão satirizar as figuras de poder, como policiais, família, e tudo que parecia sagrado no Ocidente. Tem um quadrinho do Harvey Pekar, “American Splendor”, em que ele faz o oposto do super herói: histórias de pessoas comuns. Histórias geniais, existencialistas. O underground legítimo é esse. Um dos exemplos mais famosos é a capa do LP “Cheap Thrills” da Janis Joplin feita pelo Robert Crumb. Bom, o Angeli é filho disso. É bastante influenciado por essa cultura.

 

Imagem 1. Capa do álbum “Cheap Thrills”, LP de Janis Joplin.

 

O Pasquim reúne pessoas mais velhas que vão pegar um pouco de tudo, que recebem de todas essas influências. São pessoas muito diferentes que fazem O Pasquim. Eu recomendo a entrevista que Ricky Goodwin, que é o cara que fazia as entrevistas d’O Pasquim, deu ao Ucha [4]. A melhor visão sobre o Pasquim, para mim, quem dá é ele. Ele vai mostrar que são vários gênios irredutíveis lá. E O Pasquim tem diversas fases… dá pra falar que são vários “pasquins”. Nenhuma delas teve sucesso comercial estrondoso. A fase inicial vendeu muito, mas nunca foi uma publicação que se sustentou, que conseguiu qualquer tipo de sucesso comercial. A própria Chiclete com Banana, que é de outra época, teve um exemplar que chegou a tiragem de 120 mil, que foi a Morte da Rê Bordosa, mas em geral era de 30 mil para baixo. E era um empreendimento muito frágil. Assim que o governo Collor criou obstáculos, a revista foi pro saco. Quanto ao movimento underground ter sido “cooptado pela burguesia” (era o termo que se usava), o que aconteceu é uma coisa típica dos EUA. Um dos grandes criadores que é o Gilbert Shelton, se for ver hoje deve ter festivais de underground americanos riquíssimos. Tudo virou uma empresa lá. Sei lá, é assim mesmo… E as revistas undergrounds conservam os mesmos valores. É engraçado isso, porque o que houve não foi uma “cooptação” da burguesia, isso é um resumo caricaturato de uma outra coisa: o que acontece é que o underground, e mesmo a produção de Angeli e Glauco durante um tempo tinham um conteúdo que, na época, era muito escandaloso, porque a sociedade era, ainda, muito conservadora, e reproduzia comportamentos muito conservadores. Qualquer ato governamental, por exemplo, tera precedido por uma missa ou coisa do tipo. Mesmo em reuniões empresariais isso acontecia. As pessoas eram mais formais, tudo era mais formal. Só que essa normalidade, os caretas, foi sendo afetada. aos poucos os valores do underground foram se disseminando. Hoje em dia você tem lá um sujeito que é empresário, mas tem tatuagem. Na época, ninguém usava, era restrito de um seguimento mais alternativo. Uma série de comportamentos se espalharam. Uso de palavrões, por exemplo. Aquilo que era marca registrada se disseminou já na década de 1990. Aqueles quadrinhos de Angeli e do Glauco ficaram fracos perto do Mamonas Assassinas, que eram consumidos por crianças. Não sei se dá pra dizer que eles ficaram submissos. Acho que algumas das revoluções que eles propuseram foram diluídas e foram absorvidas como comportamento. Atualmente, não me considero um artista underground. Nos anos 1980 eu me identificava bastante, mas não exclusivamente: pois para mim o underground era especialmente Crumb, Gilbert Shelton, e as HQs mais psicodélicas que saíam na revista Grilo. Então eu gostava disso, mas também dos cartunistas brasileiros que seguiam a tendência francesa (O Pasquim), de Asterix (que não tem nada a ver com underground), com a revista Metal Hurlant/Heavy Metal etc. Mas o underground ou contracultura como movimento incluía também uma série de comportamentos e modismos, e eu procurava adotar um modo de vida “alternativo” (ainda que morando com meus pais): pratiquei uma espécie de arte marcial indiana chamada kempô; estudava astrologia, tarô e outras formas de adivinhação esotéricas; me consultava com médicos e terapeutas alternativos; comprava em casas de produtos naturais e passei seis meses tentando ser vegetariano; lia orientalistas, krishnamurti, Jung etc., experimentei práticas religiosas ou emprestei um pouco de cada uma, como budismo, umbanda, meditação… Esse modo de vida era característico de parte da intelectualidade e tinha seu quartel general no bairro de Vila Madalena, em São Paulo. Com o tempo e a maturidade boa parte dessas práticas me pareceram estereotipadas e deixei. Sem dúvida há elos entre os valores da contracultura e a crítica ao “sistema” que também está presente na charge política. É possível ver nas HQs que publiquei na revista Níquel Náusea algumas bastante inspiradas no universo esotérico ou da psicologia. Hoje, o underground me interessa apenas como um estilo artístico bem definido, um tanto datado mas bastante respeitável pelo que criou ou reciclou. Acho que é por aí. 

 

Imagem 2. Capa da revista Chiclete com Banana Edição Especial: Rê Bordosa, a morte da porraloca.

 

Cristian: Sobre a produção das charges neste contexto de meados da década de 1980, quando o senhor começou na folha, entrando na década de 1990: eu tentei trabalhar isso nas minhas pesquisas como uma síntese dialética, uma espécie de habitus, para tomar um conceito de Bourdieu. Por mais que haja uma pressão do editorial, do veículo de imprensa em que está veiculada a charges, a liberdade ainda existe para o artista, e ela expressa o resultado de sua formação. Então pensei que essa formação vem da cultura underground, do relacionamento com Angeli, Glauco, Laerte, e assim por diante. Acompanhar as charges diariamente no acervo da Folha me deu a oportunidade de observar como as contradições iam se desenvolvendo ao longo do tempo. Eu comparava as charges do final de 1992, quando o Collor já estava para sair, com as do início dos anos  1990, quando ele tinha acabado de entrar, e, algo que eu percebia ali (essa era uma hipótese minha que eu gostaria de testar e ouvir um pouco da sua opinião sobre), é que a Folha, não só nas notícias, mas também nas charges, assumia uma postura de um certo moralismo contra a corrupção – que ficou comprovada que existia no governo Collor–, mas não de crítica às propostas neoliberais que estavam entrando no Brasil. Como você acha que isso se expressava nas suas charges? Como era o ambiente desta produção? Já houve censura, ou uma espécie de autocensura (quer dizer, você como artista optar por não tocar em tema x ou y, talvez para se assegurar no emprego)?

 

Spacca: Isso não aconteceu. Eu estive na folha desde 1985, vencendo um concurso. No começo de 1986 eu assumi como titular das charges e fui até 1995, se não me engano, com uma interrupção – saí em 1992 e voltei em 1994 –… foram mais ou menos 8 anos em que eu fiquei lá. Uma das coisas que pesa pro artista quando vai fazer charge é você querer fazer algo tão atrevido quanto os caras que você era fã faziam, seguindo os exemplos d’O Pasquim, do Henfil, do Jaguar, etc. É aquela coisa, né.. antes eu era fã do pessoal, agora é minha vez! No meu caso, não era tão agressivo, mas conforme a situação: às vezes você quer fazer algo indignado, às vezes você quer fazer uma molecagem, algo que pode ser desrespeitoso. Isso é coisa do Henfil, do Glauco. Por exemplo, teve uma vez que eu quis fazer um negócio: tinha caído um avião em uma favela em São Paulo. Eu fui brincar com aquilo, e aí tiveram o bom senso de falar “melhor não mexer com isso”. Eu tinha 22, 23 anos. Queria fazer alguma coisa atrevida. Era uma bobagem. Só ia servir para ser cancelado. Eu queria fazer o atrevimento pelo atrevimento. Não tinha a menor noção que isso poderia causar uma confusão, não era nada politizado, por exemplo. Teve uma outra vez que eu fiz alguma coisa em que o alvo era o STF, ou alguma outra instância do judiciário, e foi no comecinho do governo Collor, e o Matinas Suzuki, que era meu editor na época, falou “Spacca, bom a gente não mexer essa semana no judiciário porque o Tavinho está correndo risco de ser preso porque o Collor processou ele”. Como o dono do jornal estava correndo risco de ser preso, eu escutei aquilo e falei “Tá certíssimo!” (risos). Não me senti coagido de maneira nenhuma! 

 

Imagem 3. Charge de Spacca publicada na Folha de São Paulo dia 25 de Dezembro de 1989.

 

Por outro lado, a tradição, que eu como chargista vinha seguindo, estava também ali corporificada nos meus colegas. Fisicamente, você tinha uma redação que era um salão sem divisões, cheio de gente trabalhando com seus nichos, suas máquinas de escrever, e a gente ali com umas pranchetas, que eram os cartunistas, ilustradores, e o pessoal da arte, que eram aqueles que faziam infográficos, algum material que ilustra o resto do jornal (tabelas, gráficos, coisas assim), não sendo diagramação normal, mas diagramação artística. Então, ali do meu lado, estava às vezes o Glauco, do outro lado o Orlando ilustrador, a Mariza ilustradora. De vez em quando o Fernando Gonzales passava lá e ficava conversando, a gente descia e ia pra padaria tomar cerveja e voltava. Então o ambiente era alí… eu fazia e mostrava para os meus colegas, todos nós falando das mesmas coisas. Às vezes o que eu fazia podia estar muito complicado e alguém lá falava assim “olha, esse balão aqui você pode tirar”, etc. Um ia ensinando o outro. Eu tinha o hábito de fazer três ideias e mostrar pro secretário de redação escolher. Eles até brincavam: “essa aqui está melhor, mas ele vai escolher essa!” (risos). É hábito de prestador de serviço, a gente acha que o cliente é o que menos entende, então vai escolher o pior (risos)… Eu chegava na redação e ia conversar com o secretário de redação, que era um jornalista escolhido para coordenar o fechamento. Eles já haviam tido, antes, reuniões de pauta para saber o que cada caderno ia ter. Ele é que ia ficar até o fim do fechamento do jornal, na mesa dele é que se decidia a primeira página. E aí eu ia lá e perguntava quais eram os assuntos. Por um motivo técnico, eu queria que aquilo que eu fizesse na página 2, onde iam as charges, tivesse suas chaves de interpretação, ou pelo menos informações básicas para melhor compreensão, na primeira página. Aí eu ia trabalhar com aquilo que desse mais piada. Dali a pouco eu mostrava os esboços, ele escolhia um e eu voltava e finalizava. Ou então ia para a padaria beber, e voltava faltando meia hora para acabar, e finalizava e entregava. Era um ambiente de muita camaradagem. Tem um detalhe: cada cartunista tem sua formação. Eu comecei a trabalhar com 15 anos em agência de propaganda e também fazia freelancer. Eu fui pra Folha querendo manter essa liberdade de considerá-la meu cliente, de não me considerar um funcionário. Eu sempre quis que o meu superior na redação discutisse as charges comigo como se fossem um cliente, que falasse o que gostou, o que não gostou, o que não se encaixava com a filosofia do jornal, eu gostaria disso. Até porque com o tempo você introjeta o jeito do jornal e sabe o que pode e o que não pode. E dentro desses limites você faz o que quer, você usa esses limites. Mas em geral, a maioria dos editores que eu tinha na folha, discutiam pouco. 

 

Cristian: Na historiografia nacional e internacional, as charges são tomadas como arma política, não apenas como expressões artísticas. E como armas políticas existe todo um estudo de como, por exemplo, principalmente na época da Segunda Guerra Mundial, as charges e os cartuns desempenharam um papel importante. Uma indagação que eu sempre tive foi essa: se é uma arma política tão poderosa, se a imagem explica mais rápido do que as palavras, imagino que naturalmente esses veículos utilizam desse recurso, ou dessa arma, pra criar situações, favorecer outras, etc. Três perguntas rápidas sobre esse assunto: Já houve o caso de alguém pedir uma charge especificamente sobre um assunto na redação? Esse interesse de procurar as melhores notícias era um hábito entre os cartunistas, ou era um interesse pessoal seu? Como vocês dividiram os espaços?

 

Spacca: Lá na arte, nós, por um lado, éramos titulares da página 2, das charges. Eu fazia em um dia, o Glauco no outro. Mesmo assim, eu o encontrava lá direto. Sobrava trabalho. Aleḿ da charge, por exemplo, vinha um editor do caderno de economia e apresentava um assunto que talvez rendesse algum desenho, e fazíamos. Tinha um negócio que se chamava “folha do vestibular” que sobraram alguns buracos na diagramação. Em jornal, quando você quer tapar algum buraco é chamado de “calhau”. Eu descia lá na diagramação e desenhava diretamente pra preencher algum espaço. E éramos artistas que queríamos ser vistos. Colocávamos assinaturas. O jornal começava a ser distribuído por volta de meia noite e meia. Então eu saía umas dez da noite do jornal (o expediente era das 17h às 22h), emendava com alguma saída para a noite, e lá pelas três da manhã encostava no banca de jornal que ficava aberta a essa hora na praça Vilaboim, perto da FAAP, e comprava o jornal com cheiro de tinta fresca. Artistas gráficos gostam de ver a coisa publicada. Via o desenho reduzido, pensava em fazer algo maior algo da próxima vez. É raro isso, mas os assuntos das notícias, para quem trabalha no dia a dia, às vezes se arrastam durante semanas. O assunto pode já ter sido muito usado, mas está de novo lá, e aí temos que tirar leite de pedra, inventar algo. Então a gente encara como um trabalho mesmo. Quero fazer isso aqui logo e ir embora pra casa, sabe? Uma só vez em que o secretário de redação era o Caio Túlio, estava com muita raiva do Sarney e falou “vem cá Spacca, olha o que o Sarney fez aqui… cai matando” (risos) “pode soltar os cachorros, spacca, queremos esculhambar ele!”.  Não era no sentido de queremos atacar esse, defender aquele. Tinha no jornal, pela redação, um jeito de pensar, uma cultura na redação, que era predominantemente de esquerda. De vários matizes: tinha um pessoal mais velho, mais novo, mais politizados, menos politizados. Carlos Eduardo Lins da Silva, em livro [5], diz que a posição política da Folha mais típica era a da social-democracia, que na época era representada por Fernando Henrique Cardoso. Mas a relação com intelectuais da USP e do PT era muito forte, então tinha um clima meio petista na redação. Porque os jovens que estavam ali na redação, entre 20 a 30 anos, tinham vindo do movimento estudantil. Especialmente da Libelu (Liberdade e Luta), organização que se considerava trotskista, mas bastante chegada a festas e atividades culturais. Então os partidos e  políticos que encarnavam esses ideais. Eram o PT e o futuro PSDB,  que era uma ala esquerda do PMDB. Nos anos 1990 a coisa muda: FHC assume uma postura mais liberal, menos social democrata. Mas nos anos 1980 a realidade era essa. Sarney era resquício do modelo militar, era o cara que chefiou a Arena, aquela transição que veio depois da frustração das diretas já. Aí morre Tancredo Neves, que já não era tão de esquerda quanto o pessoal gostaria. Era um posicionamento político da cultura das redações. Se você conversar com qualquer jornalista, a cabeça era mais ou menos a mesma. Na Folha. Em alguns outros lugares era um pouco menos. 

 

Cristian: Avançando para os dias de hoje. Acompanho sua produção no Meio [6], como assinante. Acho que é meio óbvio que os espaço das charges na grande imprensa sofreram um pouco com essa transformação dos jornais para plataformas digitais. Acho que muito raramente em alguns lugares, principalmente longe de São Paulo – talvez na capital seja ainda comum –, você vê os jornais impressos da Folha, por exemplo. Aqui onde moro, em Goiânia, achar alguém que tem assinatura física de um grande jornal é muito difícil. Eu sei que existem bibliotecas que fazem essa assinatura, em que chega o jornal físico lá periodicamente. Em algumas escolas também. A produção das charges, quero dizer, teve que se reinventar nesse processo, competindo em espaço com os memes que também tem uma proposta de humor gráfico, em que se está começando a ser estudada agora. Então, como você define a sua atuação profissional, enquanto um artista, hoje? Ainda existe espaço nesses veículos de grande circulação, ou as charges neles se tornaram obsoletas e os artistas estão cada vez migrando para outras plataformas, que se reinventaram também, como por exemplo é o Meio? Você acha que a charge perdeu seu peso como arma política? 

 

Spacca: Olha, não perdeu pelo conteúdo, mas pela penetração sim, sem dúvidas. O meme representou uma democratização da criação de humor gráfico. Se coloca ao alcance de qualquer um a possibilidade de pegar uma imagem, botar um letreiro e fazer acontecer. Para dizer o que é meme: não dá para definir pelos aspectos formais, porque esse recurso que a gente usa muito, de pegar uma coisa pronta e colocar um balão ou uma legenda, era um recurso já utilizado por caricaturistas e humoristas. O Pasquim fazia isso, por exemplo, o Chiclete com Banana, Casseta e Planeta também. Então, em vários aspectos, o que se faz no meme, se fazia muito antes em revistas de humor. Então, talvez hoje o que acontece é que para não serem confundidos com meme, os cartunistas estão limitando a fazer só as coisas mais autorais mesmo, fazer o seu traço, o desenho que mais se remete a sua filiação. Com assinatura, enquanto o meme é sempre anônimo. Já vi cartunistas que incorporam alguma coisa dos memes famosos, ou um pouco do mangá, usa aquilo pra lembrar o meme, e outra coisa: as imagens quando são muito usadas e repetidas, a cada nova combinação você ri de novo, por que a imagem já é muito familiar. É um humor legítimo. Como arma, justamente por ser disseminado, por ter alguma produção que pode ser do tipo industrial (quero dizer, provavelmente cada lado na disputa política contratou seu batalhão de criadores de memes) e as coisas também se confundem porque se você tem um lado que consome aquele tipo de notícia, as charges vão fazer parte deste mundo. A imprensa profissional, apesar de poder ser tendenciosa, tem alguns parâmetros de neutralidade. Elas vão oferecer um fato que foi verificado, que tem a fonte, que tem alguma responsabilidade. Mas apareceram um sem número de veículos que você não sabe que raio de jornalismo eles fazem. Ali o limite entre invenção e propaganda não existe. Agora, veja só, quando havia grandes veículos de imprensa e não havia internet, não havia muito espaço para chargistas profissionais. você tinha alguns bem colocados, e um monte que não tinha onde fazer. Com o passar do tempo, alguns desses grandes veículos cancelaram seus espaços de charge política. Então, ao invés de ter um ou dois que eram as marcas registradas do jornal, passou a haver um rodízio. E o rodízio descaracteriza: nenhum deles fica muito forte para representar o veículo. Eu, particularmente, acho que isso é uma perda. Quando você pegava o Chico Caruso, se fazia a ligação direta com O Globo. Angeli, com a Folha, Laerte, também. Você tinha esse vínculo forte. Com o rodízio acho que fica ruim para os dois, jornal e artista. Não vejo como a cultura da charge sobreviver hoje. Meu caso é muito, muito especial. Eu comecei a colaborar com o Meio porque sou amigo do Tony de Marco, que nos últimos quatro anos vem investindo no canal. Ele faz animação e também tinha o cargo de direção de arte, e começamos a fazer um programa de internet juntos. Orlando, Tony e eu trabalhamos na Folha. E o Marcelo Martinez que a gente se afinou também. Martinez é roteirista da Globo, fez vários programas, inclusive neste da copa com Adnet, também atuou como roteirista. Formamos esse time e aí o Tony, trabalhando no Meio, criou este espaço de charge. Por ele vir da grande imprensa, ele insistiu muito com o Pedro Doria que seria bom ter, em dias certos, os cartunistas. Criou-se aí o espaço de charges, assim como o próprio Meio está tentando criar o seu espaço de jornalismo já há cinco anos. É muito particular, não sei se tem outros veículos assim, não faço ideia. E outro veículo que colaboro é o Observatório da Imprensa, que é restrito ao mundo jurídico.

 

Imagem 4. Charge de Spacca publicada no canal Meio no dia 19 de Dezembro de 2022.

 

Cristian: Para encerrarmos, este mês, no dia 12, o senhor fez com a Lilia Schwarcz o lançamento do terceiro livro de quadrinhos de uma trilogia sobre história do Brasil: “Triste República: a primeira república comentada por lima Barreto”, lá na Livraria Travessa de São Paulo. Os meus alunos gostam muito de Hqs. Faço questão de levar para a sala de aula. E queria perguntar sobre essa coleção, uma pergunta bem específica: como surgiu a ideia de fazê-la?

 

Spacca: O que antecedeu isso foram duas coisas: primeiro, lá atrás, a própria carreira da Lilia já apontava pra isso. Um amigo meu fez uma entrevista comigo e lembrou que conheceu o trabalho dela com os livros que ela tinha feito com o Angeli e com o Miguel Paiva sobre História do Brasil na editora Brasiliense (ainda não existia a Companhia das Letras). Então houve esse interesse por parte dela desde o começo. E seguindo a sua carreira, de fato ela usa imagem de várias formas, interroga o documento, a ilustração na sua produção, quando ela foi feita. Por exemplo, ela pega o quadro “Independência ou morte” de Pedro Américo e diz: olha, isso aqui não tá dizendo sobre o 1822, é de quando o quadro foi feito, às vésperas da república, foi ainda, encomenda de D Pedro II (risos)… então ela historiciza a imagem, investiga muito esse aspecto. Há uma sensibilidade dela para com as questões de imagem, pintura, gravura, arquitetura, dentre outras. Ela tem essa abertura. De minha parte, tem uma história em quadrinhos que eu planejei por muitos anos. Desde os meus 15 aos 40, essa história evoluiu com a biografia de santos dumont: “Santô e os pais da aviação”. “Os pais” da aviação porque desafia essa questão de “o pai” da aviação, tratando de outros pioneiros também. Sem os quais não haveria avião. Então é um evento que se alimentou muito da interação entre esses pioneiros. Não é nem que eles criaram ao mesmo tempo, mas eles interagiram através de associações, publicações e etc. Apresentei para a Companhia das Letras, onde eu já tinha um relacionamento longo de ilustrador. Foi aceito, produzido, saiu em 2005. Aí eles me convidaram para fazer uma história em quadrinhos com o tema “viagem”. Como eu tinha estudado muitos viajantes da história do Brasil, eu resolvi fazer sobre o Debret, o pintor que fez as gravuras no tempo do príncipe regente Dom João. E ficou no Brasil até os anos 1830. Então eu fiz uma pequena história em quadrinhos sobre isso. Como esse tema da chamada “missão francesa” era um tema estudado pela Lilia, ela não pôde se furtar a dar comentários. Ela foi se metendo, dando sugestões, e comecei a brincar com ela. Escrevia e-mails começando com “prezada orientadora, obrigado pelas suas observações…” e ela respondia “querido orientando…” (risos). Nesse tempo ela foi convidada para uma comissão dos 200 anos da vinda da família real, que ia acontecer em 2008. Então ela me convidou pra fazer o “D. João carioca: a corte portuguesa chega ao Brasil”. Ela tinha um texto inicial, um texto base, então os antecedentes ela já tinha pesquisado. E me convidou pra fazer a Hq. Juntando algumas pesquisas dela, e outras, os livros do Oliveira Lima, por exemplo, eu compus o roteiro, ela foi acompanhando e fizemos o livro. O seguinte, “As barbas do imperador: D. Pedro II, a história de um monarca em quadrinhos”, não. Ele já existia como livro, então foi um trabalho um pouco diferente. Eu o adaptei procurando manter a estrutura de ensaios. Tem capítulos aí que são sobre a arquitetura, a literatura indigenista e outros que são a biografia mesmo de D. Pedro II.  É um misto de documentário com biografia. E o “Triste república…” veio assim também. Ela gostou muito da ideia de ter usado Lima Barreto para entender a primeira república e vice-versa com o livro “O triste visionário”, que ela levou 9 anos pesquisando. E eu levei 4 para fazer o desdobramento deste livro. Eles não são idênticos, claro, mas o último livro saiu dali. Eu completei com algumas pesquisas, mais alguns garimpos de comentários sobre Lima Barreto e fizemos isto. Pensando de forma prática, é difícil fazer outro. Foi bom fazer esse terceiro porque solidifica o que você chamou de trilogia, pra ficar épico (risos). mas fazer o próximo é difícil. 

 

Imagem 5. Capa do livro: “Triste República: a primeira república comentada por Lima Barreto”, de João Spacca e Lilia Schwarcz.

 

Quem sabe, pode rolar… eu não sei que recorte eu usaria. É interessante pegar esses recortes originais, já que aceitamos o existente. Mas eu não faria, por exemplo, peŕiodo Vargas. Acho que ao invés de personalizar assim, eu sugeriria que fizéssemos de 30 a 64: tem dois golpes militares, pode ser um período interessante. Eu tenho sérias dúvidas a respeito da recepção enquanto livro, do que vai acontecer com esse objeto livro nos próximos tempos. Eu aprendi que livro era outra coisa, agora o livro fisicamente é o mesmo, mas o ambiente social em que circula é diferente. Apesar de que temos aqui uma situação especial, porque é paradidático, de uma editora de prestígio… mas com o livro em geral, não sei o que vai acontecer.  

 

 

Imagem de capa: retirada do livro “Triste República: a primeira república comentada por Lima Barreto”.

 

Notas:

[1] O Salão Internacional de Humor de Piracicaba é um festival de humor gráfico realizado anualmente desde 1974 em Piracicaba, São Paulo, Brasil. O evento é considerado um dos maiores do mundo no gênero, fazendo com que a cidade fique conhecida como “Capital Mundial do Humor”. Reúne a mostra oficial de trabalhos em cartum, charge, caricatura e tiras, e mostras paralelas, com exposições em vários espaços culturais da cidade. A competição é dividida em quatro categorias neste salão de humor: cartum, charge, tiras e caricaturas.

[2] Seduction of the Innocent é um livro do psiquiatra alemão Fredric Wertham, publicado em 1954, que alertou os leitores sobre a tese das revistas em quadrinhos serem um forma ruim de literatura popular e um sério fator da delinquência juvenil. O livro causou um rebuliço entre os pais americanos e influenciou uma campanha para a censura desse tipo de publicações. Ao mesmo tempo, o Congresso americano lançou uma investigação tendo como foco a indústria de quadrinhos. Logo após a publicação de Seduction of the Innocent, o Comics Code Authority ou Código dos quadrinhos foi elaborado pelos próprios editores, que passaram a regular o conteúdo do setor e se autocensurarem.

[3] Gonçalo Junior (Guanambi, 1967) é jornalista, escritor e pesquisador nas áreas de cinema, imprensa, música e histórias em quadrinhos. É autor de 40 livros. Nasceu em Guanambi (BA) e se mudou com a família ainda menino para Salvador (BA), onde estudou Jornalismo (Universidade Federal da Bahia, 1993) e Direito (Universidade Católica do Salvador, 1997). Iniciou a carreira de jornalista na década de 1980 como cartunista e roteirista de histórias em quadrinhos, além de produzir fanzines sobre o tema. Dentre eles, A Folha dos Quadrinhos (1983), Quadrinhos Magazine (1984), Livre Cativeiro (1989) e Balloon (1991).

[4] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ki4d-Fw-kUw. Acessado dia 28 de Dezembro de 2022 às 17:36.

[5] SILVA, Carlos Eduardo Lins da. Mil Dias: os bastidores da revolução em um grande jornal. São Paulo: Trajetória Cultural, 1988. 

Sobre o(a) Autor(a)

João Spacca de Oliveira

Cartunista, estudante de mestrado em História Social da Universidade de São Paulo.
Publicado no Liceu Online por:

Edição - Liceu Online

Revista online de Humanidades. @liceuonline

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