O Brasil iniciou 2023 de cara nova e pedindo por novos tempos. Como evidenciou em artigo recente o sociólogo José de Souza Martins, independente da posição político-ideológica de cada um de nós brasileiros, trata-se do momento de triunfo do que nos resta da consciência democrática brasileira e não de algum triunfo do petismo. Neste contexto é preciso ter coragem para não só fazermos escolhas mais profissionais, mas sairmos de certos amadorismos ingênuos que perpassam nossa imaginação e nossas vidas cotidianas.
A expectativa de novos tempos também está vinculada aos bastidores da importante nomeação que ocorrerá para o cargo de novo Superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) de Goiás, possivelmente ainda em janeiro. É sabido que a Cidade de Goiás surgiu no século XVIII como Arraial de Sant’Anna e passou por um processo de patrimonialização. Os marcos mais importantes são a classificação de alguns monumentos e prédios realizados na década de 1950, o tombamento do seu conjunto arquitetônico e urbanístico em 1978 e o reconhecimento como Patrimônio Cultural Mundial pela Unesco em dezembro de 2001.
No entanto, existe muita coisa para avançar. É notável a falta de cuidado com o patrimônio material e imaterial não só das cidades coloniais, mas do interior e até da capital goiana. Problemas como a retirada de pedras que se remetiam ao século XVIII em troca de um piso de pedras planificadas da “rua do lazer” (que, na verdade, se chama rua do Rosário) em Pirenópolis. Existe também o processo de mercantilização das elegantes ruas Aurora e a do Bonfim, também na mesma cidade, que resistem aos interesses privados de empresários do capital hoteleiro. Na cidade de Goiás existe o exemplo da falta de conclusão do belo caminho de Cora (já iniciado pelo estado), mas sobretudo um desenvolvimento da patrimonialização dos primeiros Arrais do estado representados pelo Ferreiro e Ouro Fino.
Em Goiânia, os problemas são vários. Um deles é referente ao frágil Museu Zoroastro Artiaga que carece não só de infraestrutura, mas de uma problematização histórica que saia das amarras conservadoras e acríticas ligadas ao passado do bandeirantismo. O mesmo ocorre com o Museu Pedro Ludovico, que ainda trata a memória do interventor com narrativas heroicas que fogem do complexo movimento da marcha para oeste liderado por Getúlio Vargas após a década de 1930. Ademais, o Museu carece não só da história do urbanismo formal da cidade (representado em boa medida pelo arquiteto e urbanista carioca Atillio Correia de Lima), mas sobretudo da história dos trabalhadores migrantes formais e informais que construíram a cidade com suas mãos. Também falta algo mais crítico na reformada Antiga Estação Ferroviária de Goiânia, que mal consegue evidenciar a história dos trabalhadores que atuaram décadas nos seus trajetos cotidianos pelas trilhas do estado, como evidencia o belo documentário “Café com pão Manteiga Não” da cineasta Viviane Lousie.
Estes são alguns exemplos de vários que percorrem não só a cidade de Goiânia, mas todo o estado. Os problemas vão além da infraestrutura e da ausência de uma história mais crítica a aprofundada sobre esses espaços, mas também a dificuldade de alianças de instituições que necessitam andar abraçadas para que um bom trabalho ocorra. Governo do Estado, IPHAN, Prefeituras e sobretudo as Universidades Públicas. Os problemas vão desde a falta de políticas públicas para o patrimônio, mas também falta de concursos públicos e defasagem de salários na área.
É nessas circunstâncias que surge a necessidade da indicação não só de alguém que tenha experiência na área, mas de alguém que tenha capacitação intelectual, profissional e técnica para o cargo. Diante deste diagnóstico surge o nome do Prof. Dr. Yussef Campos. Este historiador além de Professor da Faculdade de História da UFG- Campus Goiânia é atuante na área do Patrimônio Cultural na Associação Nacional de História (ANPUH) a vários anos. Além disso, desenvolve pesquisas sobre a legislação goiana sobre o Patrimônio Cultural e sobre a decolonialidade do Patrimônio (isto é, uma visão crítica ao colonialismo eurocêntrico). Ademais, é especialista em Gestão do Patrimônio Cultural, Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural com a dissertação Imaterialidade do Patrimônio e Identidade Social: uma análise da lei Robin Hood de Minas Gerais e Doutor em História com a pesquisa “A dimensão política do patrimônio cultural na Constituinte de 1987-1988”.
Os nomes vinculados para a indicação deste cargo são todos competentes. Destaque para o nome de Antônio Caldas. O mesmo é coordenador do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (IGPA), membro do Conselho Estadual de Cultura (CEC), arquivista do Arquivo Histórico Estadual de Goiás (AHEG) e historiador-técnico do Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central/PUC Goiás. No entanto, este competente pesquisador não possui formação acadêmica e nem técnica no tema específico do patrimônio cultural material e imaterial. Sua enfase está na experiência com documentos históricos. Documentos fazem parte do patrimônio histórico cultural de qualquer região do mundo. Apesar disso, patrimônio cultural significa muito mais que documentos históricos. Para este cargo é preciso uma formação rigorosa e especializada em patrimonio cultural. Sobretudo que garanta uma interdisciplinaridade com antropologia, geografia, sociologia e arquitetura e urbanismo.
Além de tudo, é preciso que reflexões criativas sobre o patrimônio imaterial apareça em aliança com os interesses vivos da cultura da população. Só assim vai ser possível sairmos de uma narrativa patrimonial que não estranhamente reitera costumes culturais de forma caricata em nossa região (Bandeirantismo, Cavalhadas, Pamonha, Pequi, dentre outros).
O nome do Professor Dr. Yussef Campos é a oportunidade de Goiás sair do amadorismo neste tema. É também a oportunidade de tratarmos esse tema com a coragem e a seriedade que ele merece. Novos tempos, sobretudo tempos de reforma do que nos foi usurpado, como a constituição de 1988, merecem a atenção devida para a execução de uma escolha que esteja à altura das possibilidades criativas, científicas, críticas e artísticas do padecido patrimonio cultural de Goiás.
Imagem de capa: pinturas feita em areia, de Goiandira do Couto.
This Post Has 0 Comments