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por Marcos Manoel Ferreira, especial para o LiceuOnline.

Ecoou nos rincões da então Colônia Portuguesa na Província de Minas Gerais em 1789 o primeiro brado
separatista, contra o jugo metropolitano. Palco da Inconfidência Mineira — abortada por uma delação premiada — abriu-se caminho para o enfrentamento contra as arbitrariedades lusitanas e a pilhagem histórica. No rastro da usurpação, do massacre de colonos, de indígenas, de pretos escravizados, incansáveis e miseráveis. Avessos a exploração, a insaciável ganância dos colonizadores civilizados, em pilhar da colônia, cada vez mais suas riquezas e de sua gente — ações não muito diferentes daquelas praticadas por governantes obtusos os quais neste país, são abundantes.
Não foi um movimento popular que buscava combater o abismo social e a miséria ou, a escravidão covarde e
imoral, que os interesses econômicos internacionais, transformaram em cultural e no racismo estrutural. A crise
mineradora na colônia era crescente, declinava-se a cada ano e a pobreza avassaladora, contabilizava cada vez
mais indigentes. Ou seja, reduzia-se cada vez mais a quantidade de ouro extraído e os impostos metropolitanos,
eram mantidos, criando um clima de insatisfação e um desejo crescente de ruptura. “A galinha dos ovos de ouro de Portugal” já dava sinais de esgotamento, a apetência voraz do quinto entre outros tributos, a fiscalização ferrenha das Casas de Fundição, cumpriam seu papel perverso, atendendo aos interesses de Portugal e seus cúmplices, como a Inglaterra. Que se deleitavam com os acordos estúpidos financiados com vidas humanas brasileiras e os nossos diamantes de sangue.
A Inconfidência Mineira foi articulada e liderada por um grupo de grandes proprietários, mineradores,
religiosos e intelectuais, contrários e insatisfeitos com a aplicação da derrama, que tinha por objetivo o confisco de bens, dos que não conseguiam ou se recusavam a pagar ao tesouro metropolitano as 100 arrobas de ouro
anualmente, ou o equivalente em patrimônio dos devedores até atingir esse valor, aproximadamente 1500 kg. A
política fazendária que despontava no horizonte dos trópicos, pariu uma população tributariamente, endividada.
Não bastasse alto custo de vida e o arrocho crescente em decorrência das políticas implantadas por Portugal,
o Alvará de 1785, foi determinante para a culminância na Inconfidência. A metrópole proibia a produção de
manufaturas na colônia, determinando o fechamento de qualquer atividade manufatureira local, obrigando os
colonos a comprarem os produtos importados, muito mais caros e principalmente, os ingleses, de caixões a esquis, como veremos no Segundo Reinado. Ideias liberais, oriundas das influências de movimentos europeus como o Iluminismo, a Revolução Francesa (1789 – 1799) na defesa dos interesses burgueses e no direito dos povos de lutarem por sua liberdade e destronarem os déspotas inimigos desse mesmo povo. Agora, sob a égide da liberté, égalité e fraternité, fomentaram também o sonho abaixo da linha do Equador. “Se as tiranias fomentam a estupidez”, “liberdade ainda que tardia”, começava a raiar no horizonte tupiniquim e mais tarde, lema da bandeira do atual Estado de Minas Gerais. O sonho de implantar uma República com capital em São João Del Rey; romper com o domínio e o monopólio português; criar uma universidade em Vila Rica, entre outros objetivos que nortearam o movimento, precocemente, silenciados pela Coroa.

Com a descoberta da conjuração, traídos e delatados numa trama sórdida entre os militares Joaquim Silvério
dos Reis, Basílio de Brito Malheiro do Lago e Inácio Correia Pamplona, levaram ao governador Visconde de
Barbacena, em busca do perdão por suas dívidas com a Coroa — foi suspensa a derrama que entraria em vigor em 1788 — e os integrantes do movimento, os inconfidentes, foram identificados. Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Francisco de Paula Freire e o mais popular entre todos, mesmo não sendo o mentor, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, preso na cidade do Rio de Janeiro, em 10 de maio de 1789.
Após 3 anos de julgamentos, todos foram perdoados ou condenados ao degredo. Com duas exceções:
Cláudio Manuel da Costa encontrado morto na prisão — declarado oficialmente como suicídio — e Tiradentes,
condenado a morte e executado em 21 de abril de 1792.

Seus algozes viam a necessidade de uma execução exemplar, implacável, cruel e pública. Era preciso
evidenciar, que a ousadia em desafiar o poder da metrópole, não poderia ficar sem uma punição severa e a
intimidação típica dos covardes. O “herói” da Inconfidência Mineira, após ser enforcado em seu patíbulo particular, esquartejado e partes do seu corpo espalhados até a putrefação. Calou-se a voz, mas não, o sonho de liberdade e independência. Aplica-se a nossa dantesca história brasileira, o pensamento de Diderot “só precisam de moral e virtude os que obedecem”.

Assim, a Inconfidência Mineira — que não chegou a acontecer — e o que as influências das ideias liberais
iluministas e a Revolução Francesa representaram na colônia portuguesa na segunda metade do século XVIII,
marcaram um momento histórico determinante para a Crise do Antigo Sistema Colonial, encaminhando para
consolidação da liberdade política e mudanças econômicas, além do modesto esboço do despertar de uma
sociedade que começava a compreender a necessidade, a importância da resistência, contra a opressão, a
repressão e a miséria.

Portanto, afirmou Voltaire “é difícil libertar os tolos das amarras que eles veneram” e o quanto isso tem sido
clamado por alguns ultimamente. Não se trata apenas de um debate historiográfico, se Tiradentes é ou não herói; merecedor ou não da efeméride comemorativa e feriado nacional. Nada disso tem importância, em um país que parte de seu povo, ignora ou desconhece sua própria História. Sem memória, vamos repetindo a passos largos um passado de opressão, equívocos e fracassos. Sob o tilintar de ferraduras, aplausos de muares e zurros delirantes dos adeptos da servidão voluntária. A manada guiada pela ignorância, sob discursos messiânicos e negacionistas, parindo uma geração de fanáticos que conduzem o bananal a barbárie. Tira-dentes é a cara do Brasil: no patíbulo e com a corda no pescoço, um militar preconizado herói nacional!

Sobre o(a) Autor(a)

Marcos Manoel Ferreira

Professor, Historiador e Pedagogo. Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana; Mestrando em História – Cultura, Religião e Sociedade – pela Universidade Estadual de Goiás (UEG).
Publicado no Liceu Online por:

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