No Brasil existe uma cultura política extremamente equivocada de se ignorar o vice. Mesmo não sendo “invisível” e viver a “conspirar” contra o titular, tem se revelado uma figura fundamental sob as luzes da ribalta política. Muito mais que um espectro rondando a cadeira principal, deveria também estar sob o radar do eleitor consciente. O vice-presidente, o vice-governador, o vice-prefeito, o vice-presidente do Senado, o vice-presidente da Câmara Federal, o vice-síndico, reduzindo o cargo de vice, a mera formalidade legal, dispensável e paradoxal, ninguém sabe se realmente existe ou de quem é! Ao menos quando emergem da penumbra do anonimato ou saem das alcovas conspiratórias para assumirem seu papel constitucional e republicano.
O vice, mesmo aparentemente sendo um cargo totalmente dispensável, não sendo nada e viver a sombra do titular, é crucial na vacância voluntária ou forçada no âmbito democrático. O vice-presidente, por exemplo, constitucionalmente, é o segundo mais importante cargo político do país. Foi criado oficialmente na Constituição de 1891 — Primeira Constituição da República — e extinto nas Constituições de 1934 e 1937 — no governo de Vargas — e ao que parece, não fez falta alguma. O cargo só foi restabelecido na Constituição de 1946, iniciando o processo de redemocratização, após o período fascista varguista entre 1937-1945. A função do vice — Presidente, Governador, Prefeito — a princípio, é o de substituir o titular em caso de ausência, viagens ao exterior, doenças, afastamentos, impeachment, falecimento ou renúncia.
Atualmente no modelo eleitoral, o vice é eleito junto com o titular — com os mesmos votos, lembrando que nem sempre foi assim —, para um mandato de 4 anos com direito a apenas uma reeleição seguida. A Constituição brasileira permite que uma lei complementar dê novas atribuições ao vice-presidente, despacha em um prédio anexo ao Palácio do Planalto e desde 1977 sua residência oficial é o Palácio do Jaburu.
Entre 1891 a 1930 e de 1946 a 1967, o vice atuava também como Presidente do Senado Federal e de 1967 a 1969 como Presidente do Congresso Nacional. Já tivemos oito vice-presidentes que assumiram a presidência devido a algo ocorrido com o titular — Floriano Peixoto (vice de Deodoro da Fonseca), Nilo Peçanha (vice de Afonso Pena), Delfim Moreira (vice de Venceslau Brás), Café Filho (vice de Getúlio Vargas), João Goulart (vice de Jânio Quadros), José Sarney (vice de Tancredo Neves), Itamar Franco (vice de Fernando Collor), Michel Temer (vice de Dilma Rousseff). Esse é o grande paradoxo da força e da importância do cargo de vice, não podendo nessa perspectiva, ser em hipótese alguma, ignorado! Às vezes a ameaça maior, não está na oposição, e sim, nas alianças espúrias e duvidosas que são estabelecidas entre o partido do presidente e do vice, com a única finalidade de manterem interesses pessoais e partidários, loteando o governo com cargos e ministérios, custe o que custar. Fomentando o famigerado fisiologismo, nepotismo, barganhando ideais e compromissos assumidos com os eleitores, pelo poder.
Portanto, entender aquela aliança entre PT e MDB para a presidência da República, na formação da chapa eleita Dilma – Temer, revela quão distante estão às ideologias partidárias, dos interesses e das necessidades reais do povo, o desfecho dessa aliança, revelou-se qual era o plano verdadeiro do vice. Como afirmou Napoleão Bonaparte, “todo o homem luta com mais bravura pelos seus interesses que pelos seus direitos” ou ideais. Uma aliança espúria que revelou a face de dois partidos e de dois políticos tão “diferentes” e tão “iguais”. Mais uma vez, o vice roubou a cena, literalmente! Na esteira do fisiologismo político o “Centrão” no governo Bolsonaro ratifica a prática tão criticada em tempos de campanhas eleitorais. Literalmente, não é estelionato eleitoral, é profecia.
Em Goiás, em Goiânia, quanto às eleições nos remete historicamente aos vices e ao não cumprimento de seus respectivos mandatos até o final. Num gesto de traição da vontade popular e aos votos de seus anônimos eleitores, que nas urnas pelo sufrágio direto, deram uma demonstração de confiança, na mais democrática e explícita vontade popular. Tanto no governo estadual, como municipal, goianos e goianienses, vivenciaram e vivenciam por mais de uma vez, a ascensão dos vices “invisíveis” ou a inexistência diante da ambição política e do descaso pelos mandatos pelos quais foram eleitos.
Em 1983 o então eleito pelo voto direto ao governo do Estado de Goiás Íris Rezende Machado (PMDB, atual MDB), não concluiu seu mandato, para assumir o Ministério da Agricultura. Assumiu o vice, o empresário Onofre Quinan. Em 1991 Íris Rezende foi novamente eleito pelo voto popular ao governo do Estado de Goiás e também não concluiu seu mandato, para assumir uma vaga no Senado Federal. Assumiu o Presidente da Assembleia Legislativa, Agenor Rezende. Em 2008, Íris Rezende foi reeleito prefeito de Goiânia e novamente não concluiu o mandato, para disputar o governo de Goiás (2010). Assumindo seu vice, o médico Paulo Garcia (PT).
O mesmo se repete no Governo do Estado. Em 2006 o então Governador do Estado de Goiás Marconi Perillo (PSDB), eleito também pelo voto popular, não concluiu seu mandato, para assumir uma cadeira no Senado Federal. Assumiu seu vice, Alcides Rodrigues (PP). Em 2018, novamente, Marconi Perillo se afasta para disputar uma cadeira no Senado Federal, abrindo caminho para mais uma vez, o vice. Em 2020, foi eleito para prefeito de Goiânia, Luiz Alberto Maguito Vilela (MDB) — que faleceu em 13 de janeiro de 2021 — novamente, quem assumiu a cadeira, foi seu vice, Rogério Cruz (REPUBLICANOS).
A História tem um papel fundamental nas análises e nas reflexões dos acontecimentos históricos, das ações humanas, numa perspectiva crítica e com compromisso de manter viva a memória de um povo, decantando biografias que no calor do momento, são equivocadas e apaixonadas. O que nos revela entre outros, dois aspectos notórios: o quanto a máquina pública e o discurso religioso, são excelentes cabos eleitorais e o quanto o eleitor ignorante, tem a memória curta e coração grande!
Portanto, a memória política, cultural e histórica ativa, possibilita novos caminhos e olhares, alternativas e possibilidades para uma grande transformação social. Pela educação, pelo combate a corrupção, a violência, a miséria, as injustiças e uma renovação política verdadeira e não com os eviternos mandatários. Com políticas de inclusão das minorias e a construção de cidadãos críticos, conscientes de seu papel político e dispostos a mudar o Brasil por suas posturas, ações e o voto. A diferença entre o eleitor e o eleito, está na consciência crítica e política. E não nas paixões partidárias, militância histérica e indigência intelectual. Pois “a política brasileira está de tal modo contaminada pela corrupção, que o próprio eleitor sente que erra todas as vezes que vota independente do candidato escolhido”.
Diante do exposto, nas próximas eleições, meu candidato será o vice!
Imagem de capa: Pintura representando Prudente de Moraes (no centro) presidindo a Constituinte republicana / Crédito: Wikimedia Commons.
This Post Has 0 Comments