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por , especial para o LiceuOnline.

Por Fábio Júnior*, especial para o LiceuOnline.

O século XXI aprofundou muitas inquietações nos estudiosos do campo do trabalho. A promessa de um futuro dominado pelas máquinas, da automação em larga escala, amedronta tanto trabalhadores quanto empresários, que temem um futuro próximo de desemprego ou de revoltas populares, para além do medo popular de que um dia as máquinas poderão nos substituir completamente, se virando contra nós.

Matrix Reloaded (2003)

Esse receio, contudo, não é novo, uma breve releitura de clássicos como Adam Smith, Stuart Mill, Marx e Keynes demonstram uma preocupação histórica de economistas, sociólogos e filósofos sobre o futuro do mundo produtivo, das implicações da automação, do surgimento de novas relações sociais de produção e pra onde vai a própria sociedade.

Deixando a ficção científica de lado e focando na nossa realidade hoje, tal preocupação se demonstra concreta e o Brasil é um dos melhores exemplos. O Brasil vem sofrendo um grave processo de desindustrialização, a indústria de transformação, que já representou 33% do PIB brasileiro, em 2019 representou apenas 11%. Acompanhando esse retrocesso, a participação do Brasil na produção industrial do mundo caiu de 2,8%, em 1980, para 1,19% em 2019. O tamanho do problema se torna ainda maior se analisarmos o nível de automação dos postos de trabalho dessas indústrias, que nesse período aumentou exponencialmente.

Por que não percebemos no dia-a-dia esses graves efeitos da desindustrialização? Nesse mesmo período que a indústria perdeu força e passou por um processo de enxugamento, nosso país passou por um crescimento enorme do setor de serviços, incluindo também as categorias informais, as categorias uberizadas e as pjotizadas, sendo esses serviços demandados por uma nova classe média.

Essa classe média surgiu do barateamento das novas tecnologias, de conquistas salariais do movimento sindical e de programas de crédito dos governos pós-militares, principalmente os petistas, como nos conta Márcio Porchmann em Nova Classe Média: o trabalho na base da pirâmide social brasileira.

   

Estamos então salvos do fim do trabalho? Não exatamente. Dados recentes do PNAD, entre 2012 e 2019, sobre as taxas de ocupação, indicam que os brasileiros não tem encontrado trabalho, mas tem trabalhado como nunca, atingindo altos níveis de ocupação, se analisarmos a quantidade de pessoas que trabalharam ao longo de um período de um mês, mas que por outro lado não tem um emprego regular ou fixo, ou seja, trabalham como autônomos, em bicos, trabalhos temporários, uberizados ou pjotizados.

   

O que isso significa? O que está em risco hoje não é o trabalho necessariamente, mas o emprego formal. Países interventores na economia, de bem-estar social ou de inclinação socialista preservam, até hoje, altos níveis de empregabilidade formal. Tal fenômeno pode acontecertanto pelo tamanho da capacidade estatal em empregar, quanto pela priorização por uma formação profissional e um desenvolvimento nacional alinhado com as novas tecnologias, como é o caso, por exemplo, de China e Vietname.

Países que se atentam as novas demandas mundiais têm superado a automação com novos postos de trabalho, a partir de projetos nacionais de desenvolvimento, enquanto países que se colocam na periferia do debate e negam a intervenção tem se defasado, como é o caso do Brasil. Nosso inimigo, portanto, não são as máquinas, mas as políticas liberais durante um período que exige intervenção.

 

 

*Fábio Júnior é graduando em Economia na Universidade Federal de Goiás, motorista de aplicativo e dirigente socialista. Foi candidato à prefeitura de Goiânia pelo partido Unidade Popular Pelo Socialismo em 2020.

 

 

 

 

Referências:

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