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por Marcos Manoel Ferreira, especial para o LiceuOnline.

O “Dia Nacional da Consciência Negra”, 20 de novembro, efeméride em homenagem a Zumbi dos Palmares, preto escravizado, que liderou a resistência no Quilombo dos Palmares na Serra da Barriga-AL e assassinado 1695. Lutou até a morte contra a opressão dos escravocratas e as mãos sujas de sangue da carne dos afro-brasileiros em nome do poderio econômico, da soberba e do racismo estrutural! A Serra da Barriga, hoje, Parque Memorial Quilombo dos Palmares, espaço de memória coletiva e narrativas dolorosas e sensíveis.

A histórica e árdua trajetória de um povo desterrado, no processo diaspórico africano — até o Valongo —, sob a égide supremacista branca e escravocrata. Fizeram verter o sangue de indígenas, africanos e afro-americanos escravizados, para irrigar canaviais, cafezais e dar brilho aos metais preciosos de seus infames senhores. Uma luta homérica defendida por grandes vultos como o “poeta dos escravos” Castro Alves, os abolicionistas Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e tantos outros e outras, como Maria Quitéria, Mãe Menininha do Gatois, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo que contribuíram e contribuem nessa caminhada de resistência.

A data, como todos os dias o são, invariavelmente, evidencia a necessidade de se refletir sobre a importância do legado cultural africano na formação da sociedade brasileira, um despertar para a questão vergonhosa vivida pelos pretos no Brasil! O racismo estrutural, a indiferença, a indigência, a rejeição, a violência, o preconceito e todo tipo detestável de “olhares tortos” e pré-julgamentos, para os “sempre suspeitos”, das favelas, dos becos, das periferias e alvos preferidos das “balas perdidas”, que quase sempre, encontram um pobre e preto pela frente.

É preciso e urgente, um despertar ruidoso da sociedade e do Estado, com políticas públicas de inclusão, respeito a diversidade e o combate ao preconceito. “Não basta não ser racista: sejamos antirracistas”! É necessário um olhar crítico, atento e humano, para uma população de indivíduos excluídos historicamente, imersos em injustiças e abandono. Marginalizados pela cor preta da pele, jogados na vala comum do abismo social, em uma sociedade hipócrita e racista, em que sua existência, tornou-se afronta aos racistas que ainda rezam e um eviterno digladiar, para não serem mortos pela truculência dos joelhos do Estado no pescoço.

Ainda carregam na alma as máculas do açoite covarde e do exílio, o ranço mau cheiroso das senzalas insalubres e as mãos calejadas de quem construiu boa parte da grandeza desta nação. Ingrata, que insiste em renegá-los, “negar” uma das maiores vergonhas históricas da humanidade, a escravidão e que não há discriminação racial e social, contra os anônimos nas páginas policiais e nos obituários diários. Que tiveram suas narrativas ignoradas, silenciadas e negadas.

A construção da grandeza dessa terra, inúmeras vezes marcada pelo sangue alheio, para saciar a sanha de latifúndios canavieiros, cafeeiros, numa supremacia branca escravocrata e ordinária. O sal gotejado na terra fértil, irrigada pelo suor de bantos e sudaneses, fez a fortuna e a doçura da cana. Do açúcar alvo como a neve, que deixava mel o amargo café. Temperado pela vergonhosa escravidão dos renegados e a miséria dos ignorados! Pelas mãos e pés de guerreiros que por sua pele preta, resistentes como ébano, foram historicamente inferiorizados e invisibilizados, pela pseudociência da Eugenia, alicerçada na intolerância, no racismo e na tentativa estúpida do “Branqueamento” da população brasileira.

É inegável o quanto somos um país miscigenado, que se fez em um processo — caucado na violência sexual, estupros e abusos contra as mulheres indígenas e africanas —, parindo uma diversidade cultural e étnica riquíssima, fruto do sincretismo e do ecletismo religioso. Que nos legou não só um povo multiétnico, como também, o cristianismo e a catequese etnocida, seus interesses econômicos e suas convicções; a grandeza das religiões de matriz africanas, suas tradições milenares e as afro-brasileiras, suas singularidades e simbolismos. De Xangô deus da justiça, do fogo, a Tupã dos Tupis-guaranis. O mesmo Atlântico que banha a Baía de Todos os Santos, são as mesmas águas que banham a África e seus orixás, evidenciando o quanto nossas diferenças, nos tornam iguais!

A educação, como vários outros setores da sociedade, possui um papel preponderante nesse processo ardoroso de transformação nesse âmbito nacional com ares provincianos. Do coronelismo, do “sabe com quem você está falando”, racista, machista, homofóbica, negacionista, exigindo um debate antropológico, filosófico, social permanente, numa busca incansável pelo respeito e a compreensão crítica do papel de cada cidadão, responsável por transformar essa realidade de miséria, preconceito, intolerância racial e religiosa. Sempre serão nossas atitudes e o nosso caráter, determinantes para qualquer mudança e em qualquer circunstância. Em conformidade com Santo Agostinho: “Na essência somos iguais, nas diferenças nos respeitamos”.

É notório e o quanto nos enriquece, essa convivência com tamanha diversidade étnica, religiosa e cultural. Que nos coloca frente a frente, às questões desafiadoras, necessárias, pautadas pelo respeito e a tolerância. Princípios elementares, básicos, grandiosos e determinantes para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna, igualitária e equânime. A luta das minorias, o grito dos excluídos deveria ser um esforço de todos! Um incansável enfrentamento contra a violência que exterminam na maioria das vezes, jovens e mulheres pretas diariamente – bem como, não pretas também. O feminicídio é alarmante no Brasil, reflexo do modelo de sociedade que nos tornamos, e que temos o dever moral, humano de mudar! Ainda ansiamos por uma justiça, por uma polícia, por uma sociedade, por um discurso e uma ação religiosa, política, que venham a julgar as pessoas, pelo seu caráter e não, por conta bancária, pelo seu endereço ou pela cor da sua pele.

Portanto, querendo ou não, todos temos sangue preto! Alguns, nas mãos. A mesma que segurou o chicote e hoje ostenta o racismo e a intolerância. Que o Dia Nacional da Consciência Negra, seja para além das “comemorações”, que traga a reflexão e as possibilidades de mudanças reais, no combate ao preconceito e a intolerância. Que reverberem o som dos atabaques e da resistência pelo mundo, a vida dos pretos importam, porque “a casa-grande surta quando a senzala aprende a ler”!

Axé!

Sobre o(a) Autor(a)

Marcos Manoel Ferreira

Professor, Pedagogo, Historiador, Escritor. Pedagogo com Habilitação em História da Educação Brasileira; Historiador; Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana; Mestre em História – Cultura, Religião e Sociedade. [email protected]
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