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por João Paulo Capelotti, especial para o LiceuOnline.

Se na sociedade de modo geral a morte é considerada um tabu, no cinema não é diferente. Não é de se espantar, portanto, que filmes que abordam o direito à morte digna sejam dramas delicados e respeitosos, como por exemplo o espanhol “Mar adentro” (2004), de Alejandro Amenábar, e o francês “Está tudo bem” (2021), de François Ozon. A produção luso-brasileira-espanhola “Sonhar com leões” surge com uma proposta diferente: falar sobre eutanásia pelo viés da comédia, mais precisamente do humor negro. O longa é protagonizado por Gilda, uma mulher com câncer terminal que já tentou tirar a própria vida algumas vezes, sem sucesso, e por isso contrata os serviços de uma empresa, um tanto picareta, que promete ensinar técnicas mais efetivas para que seus clientes cheguem lá. Essa primeira metade do filme, se por um lado impressiona pela coragem de fazer piada com temas polêmicos, por outro sofre com a pouca inspiração desse humor, que se escora em quebras da quarta parede à la “Fleabag” e numa dosagem por vezes imprecisa entre a incongruência da situação e o choque causado por ela (talvez porque falte distanciamento que nos permita rir de verdade da personagem, já que nos importamos com ela). A segunda metade, que mescla elementos de filme de viagem, romance e drama mais pesado, flui melhor e tem momentos mais bem dirigidos, com destaque para a sequência final, certeira no tom e nas escolhas estéticas (como a ausência de trilha sonora durante um bom pedaço). Mas se o saldo da obra, no fim das contas, é positivo, é mérito principalmente do elenco, uniformemente bem escalado, e no qual se destacam o talento e o carisma do português João Nunes Monteiro e, sobretudo, de Denise Fraga. A veterana atriz, conhecida por seus papéis cômicos, como o de Dora em “O auto da compadecida” (2000), equilibra com precisão a mistura de mel e fel que é Gilda, uma mulher que recusa piedade, alheia e própria, e cujo cinismo e deboche desnudam a hipocrisia que domina os temas da morte assistida e do direito de escolher o próprio fim. Longe de ser um mero panfleto em prol de uma causa, a atriz faz de Gilda uma figura crível, complexa, com camadas e contradições, e por isso mesmo muito interessante de assistir. Uma performance notável e digna de aplausos.

 

Nota: 3,5/5

 

 

Imagem de capa: Ingresso.com

Sobre o(a) Autor(a)

João Paulo Capelotti

É advogado e pesquisador, e gosta de cinema desde que se entende por gente.
Publicado no Liceu Online por:

Edição - Liceu Online

Revista online de Humanidades. @liceuonline

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