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por Gabriel Roberto Caixeta, especial para o LiceuOnline.

A banda de Heavy Metal Sepultura iniciou suas atividades nos anos 1980, alcançou o mundo e, na segunda metade da década de 1990, sofreu uma abrupta mudança. Antes da década de 1990 acabar, o grupo foi fragmentado, no final de 1996. Melhor dizendo, Max Cavalera deixou a banda, amputando, talvez, o maior expoente de músicos oriundos do Brasil desde a internacionalização do Samba, da Bossa Nova, MPB, e outros filões de venda que criaram uma imagem das terras tupiniquins, contribuindo assim com a carência de sentido da frase “sou brasileiro”. Não é que o Brasil careça de identidade nacional, ele a tem de forma internacionalizada a partir de sua musicalidade histórica, e esta segue criando falácias sobre a terra natal e sobre quem são os brasileiros.

 

O vocalista Max Cavalera, ao deixar o grupo em 1996, levou consigo a “confiança” dos metaleiros brasileiros em ter sua representatividade identitária respeitada por um gênero originalmente criado por norte-americanos e britânicos. Porém, para este fato, não há memória curta, pois a divisão entre Max Cavalera e Sepultura existe até os dias atuais. Dez anos depois de seu início, a ruptura foi engrossada por Igor Cavalera, irmão de Max, que finalizou suas atividades com a banda um dia antes do grupo sair em turnê para promoção do disco Dante, em 2006. Igor foi substituído de forma “permanente” por Jean Dolabella, após algumas apresentações terem sido feitas com Roy Mayorga, baterista original do grupo formado por Max após sua saída do Sepultura, o Soulfly.

 

Nos doze anos em que foi vocalista do Sepultura, Max Cavalera inovou dentro de um mundo fechado para estrangeiros, sua notável voz grave e austera combinava com seu carisma jovem e desinteressado para com as mazelas dos norte-americanos, cada vez mais espantados com os brasileiros e sua “originalidade”. Indo de fã a fã, a banda conquistou seu espaço, e, em 1992, já havia excursionado por quase todo o mundo levando a bandeira verde e amarela. Sob a insígnia de Max, o Sepultura prometia alçar voos longos de encontro ao sucesso. Contudo, sucesso, fama, grandes quantias e conversas paralelas são ingredientes do bolo das cisões entre músicos.

 

Max deixou o grupo após a extensa turnê do álbum Roots, reconhecidamente (formal e informalmente) como um dos discos “pais” do Nu Metal, a última das grandes revoluções deste gênero e o maior sucesso comercial do Sepultura até os dias atuais. Esse álbum ia em direção oposta ao que faziam os músicos norte-americanos, pois cadenciava instrumentos e temáticas puramente “brasileiras” com a grosseria ríspida do Heavy Metal. Novamente, Max fora um dos grandes rostos desse gênero após o lançamento de Roots, trocando os vocais graves pelos gritos estridentes e um conteúdo lírico abrasivo, absorvendo situações políticas e sociais do Brasil como um todo, desde a herança escravista até o assassinato de Chico Mendes, o desmatamento da Amazônia, a Ditadura Militar e a questão indígena.

 

A proporção tomada pela representação cultural dentro da musicalidade do Sepultura definiu os anos subsequentes da banda. Em 1998, o grupo lançou o disco Against, o primeiro sem Max Cavalera e o pontapé inicial do norte-americano Derrick Green como novo vocalista. Dada a aceitação crescente de bandas como System of a Down, Limp Bizkit e Coal Chamber, a perpetuação de grandes nomes do Industrial Metal, como Fear Factory e Ministry, e o underground já se intimidar com o jovem e peculiar Slipknot, a gravadora estadunidense Roadrunner Records não estava contente com Green nos vocais do Sepultura, justamente pelo fato de sua personalidade não ter nem um centímetro de similaridade com Max, tampouco com Serj Tankian, Fred Durst ou Burton C. Bell.

 

Para essa inquietação existem inúmeras respostas. A primeira delas está no que o personagem de Quentin Tarantino, Dr. King Schultz, disse a Calvin Candie em um debate sobre raça e racismo: “Alexandre Dumas era negro”, assim como Green, em um mundo de vocalistas e músicos brancos. Não tocava guitarra, a marca registrada de Max Cavalera, uma surrada B.C Rich com quatro cordas, sua voz estava mais para o Hardcore que para o Groove Metal. Contudo, seu sucesso não fora reduzido pela condição de sua voz ou por sua etnia. Os demais integrantes do Sepultura defenderam Green desde a escolha, tanto é que o processo de seleção contou com os nomes de Phil Demmel (exímio guitarrista e vocalista, membro de longa data do Machine Head), Chuck Billy (vocalista do Testament, uma das inspirações de quase todas as bandas de Heavy Metal nas décadas de 1980 e 1990), dentre outros nomes importantes do gênero e fora dele.

 

O álbum Against levou a cabo grandes doses do experimentalismo de Roots. O guitarrista Andreas Kisser foi (e continua sendo) um dos grandes responsáveis por um Sepultura voltado a integrações e mesclas musicais, incorporando instrumentalizações declaradamente “dissonantes” para a elaboração de sua assinatura.

 

Se Against fosse gravado com Max Cavalera, haveria, sem sombra de dúvida, a celebração do que sugeriam críticos e simpatizantes da banda, o Sepultura se tornaria o “novo Metallica” em todos os aspectos. Entretanto, a formulação de um postulado “tribal”, juntamente ao imaginário mágico do Brasil e suas artes, criou uma revolução no Heavy Metal noventista, elencando ao oposicionismo europeu às bandas sul-americanas uma aceitação forçosa. Ainda assim, o Sepultura de 1998 voltou à estaca zero, fazendo uma primeira turnê mais intimista de clubes noturnos, grande contraste com os públicos anteriores de festivais e arenas lotadas.

 

O Sepultura sem Max Cavalera continuou a ser Sepultura, pois dele foi criada uma instituição descendente do estado brasileiro. Ainda que tenha surgido a figura de um guitarrista vocalista para a banda, as linhas memoráveis de guitarra do grupo são de Andreas, o arauto da dissonância em detrimento dos solos extremamente trabalhados dos discos Beneath The Remains e Arise, além estava a figura de Paulo Xisto, pacata e calada, mas parte de uma formação imagética e sonora que abrilhantava as baterias de Igor, no passado de Chaos A.D e do kit com quatro tons e uma força absurda ao atingir os pratos, olhando-os fixamente, com dedicação ao tocar.

 

Against é o começo de um novo Sepultura que se desvinculou totalmente de Max Cavalera, visto que Derrick Green está no grupo há mais tempo que o vocalista fundador. Ainda assim, há de se pensar o papel de seu irmão nos dez anos que permaneceu como baterista do grupo e como sua mudança de estilo o afetou. Indo cada vez mais para os braços do Brasil, o baterista elencava para o grupo uma carência de força, como se o preço de sua permanência fosse pesado demais para se aguentar, entregando performances cheias de desentusiasmo. Contudo, a instituição Sepultura continuou.

 

Para saber mais:

Encyclopaedia Metallum – Against. The Metal Archives, 2014.

Encyclopaedia Metallum – Soulfly. The Metal Archives, 2017.

MTV Na Estrada – Especial Sepultura. MTV Brasil, 1998. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Riv4sElE93g&ab_channel=lwramones

Otávio Juliano – Sepultura Endurance. O2 Filmes, 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oIzCYxJVvJQ

Sepultura – Against. Roadrunner Records, 1998.

Soulfly – Soulfly. Roadrunner Records, 1998.

 

Imagem de capa: Sepultura 1998. MadafackismoUnderground.

Sobre o(a) Autor(a)
Gabriel Roberto Caixeta

Gabriel Roberto Caixeta

Bacharel em História pela Universidade Federal de Goiás, apaixonado por Música Caipira e Heavy Metal e aspirante a ensaísta.
Publicado no Liceu Online por:

Jéssica Fernanda de Sousa

Edição - Liceu Online

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