O primeiro grande livro de história da humanidade foi escrito por um grego, no século V antes de Cristo. A Grécia já era uma civilização de filósofos e poetas consagrados, mas Heródoto destinou seu livro a descrever as chamadas Guerras Greco-Pérsicas ou Guerras Médicas, em um tratado que reúne história militar, história do cotidiano, sociologia, antropologia, etnografia, e geografia, disciplinas nas quais foi pioneiro. Seu sucessor e discípulo, Tussídides, também escreveu sobre a guerra, a do Peloponeso, entre Athenas e Esparta, desprezando as maravilhas da arte grega, sua contemporânea.
Os livros de Heródoto e Tussídides exaltam a importância dos temas militares desde a antiguidade. Quem foi mais importante para a expansão da civilização helênica e de seus valores, Aristóteles, o filósofo, preceptor de Alexandre, ou o próprio Alexandre, o gênio militar do mundo antigo? quem mais projetou a imagem de Roma, Virgílio e sua literatura, ou os feitos militares de Júlio Cesar, seu maior general? Cartago foi derrotada por Roma, mas a história eternizou as proezas de Aníbal Barca, o grande comandante de seus exércitos. Dos escravos de Roma, um ficou para a história, Espartaco, o líder da rebelião que enfrentou as legiões de Marco Licínio Trasso.
A França criou escritores, filósofos e cientistas que ajudaram a ilustrar a cultura da humanidade, mas nenhum nome subiu mais alto os degraus da glória do que Napoleão Bonaparte, o estrategista insuperável dos campos de batalha. Os Estados Unidos batizam sua capital com o nome do principal general de sua guerra de independência, George Washington. O Vietnam comoveu o mundo na guerra para se libertar da ocupação da França e dos Estados Unidos, projetando as figuras de Ho Chi Minh, o líder político, e de Nguyen Giap, o vencedor de Dien Bien Phu e o estrategista da ofensiva do Tet.
No Brasil, a arte da guerra produziu heróis imortalizados de nossa breve história, a começar dos índios Ajuricaba, Tuxaua, Manaos, em confronto com os portugueses nos vales da Amazônia, Arariboia, o chefe Tupi em combate contra a ocupação francesa do Rio de Janeiro e Sepé Tiaraju em defesa de sua terra missioneira contra as tropas de Portugal e Espanha.
A primeira heroína brasileira, Maria Quitéria, condecorada por D.Pedro I, conquistou a merecida fama nos campos de batalha da Guerra da Independência da Bahia. Até hoje seu nome reverenciado está em praças e ruas do Brasil e batiza uma taça do futebol baiano disputa pelos dois principais clubes do estado, o Bahia e o Vitória, e por clubes convidados. São heróis considerados fundadores do Exército brasileiro o índio Poti, Felipe Camarão, o negro liberto Henrique Dias e os senhores de engenho João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros, os comandantes da Vitória contra os holandeses, na Batalha dos Guararapes, em 1648, quando o Brasil escolheu ser um só país e não dois ou três, no dizer de Gilberto Freyre.
A guerra da independência foi o batismo de fogo de dois futuros heróis brasileiros, o Duque de Caxias e o Almirante Tamandaré, patronos do Exército e da Marinha. A República foi proclamada e consolidada por dois heróis consagrados nos campos de batalha do Paraguai, os marechais Manuel Deodoro da Fonseca e Floriano Vieira Peixoto. E a última guerra civil que assolou o Brasil foi um conflito entre militares rebeldes e legalistas, que se uniram para promover uma revolução em 1930, sob a liderança de dois caudilhos, o civil Getúlio Vargas e o militar Pedro Aurélio de Góis Monteiro.
Esse breve registro de personagens e episódios militares da história geral e da história do Brasil é para destacar a relevância e a atualidade do assunto de que se ocupam os organizadores Lier Pires Ferreira, Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco, Ricardo Rodrigues Freire e os autores do livro Entendendo um pouco mais sobre Segurança e Defesa.
O livro oferece um panorama completo do estado da arte e dos desafios na área de Defesa e Segurança no Brasil, aponta, corretamente as virtudes de nossos documentos básicos sobre o tema – a Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa – mas ressalta as deficiências visíveis e preocupantes na abordagem da agenda.
A ausência de percepção de ameaças visíveis à segurança nacional, combinada dom a convivência pacífica e amistosa com os vizinhos ao longo de 16 mil quilômetros de fronteiras, contribuem para o reduzido protagonismo da questão de Defesa na sociedade brasileira e entre os três poderes do País. O reflexo mais visível dessa situação é o baixo orçamento destinado às instituições militares, incompatível com as necessidades e responsabilidades de proteção do território, do espaço aéreo e das águas jurisdicionais.
E se estratégia nacional de defesa é a composição do elemento destino, dado pela história e pela geografia, com o elemento escolha, decidido pelos homens, no caso do Brasil as escolhas estão em conflito com o destino. Não há defesa nacional sem economia nacional, sem indústria nacional, sem ciência nacional, sem tecnologia nacional, sem infraestrutura nacional, sem logística nacional.
E se é verdade a nossa boa relação com os vizinhos e a ausência de contenciosos antagônicos com potências relevantes não há qualquer garantia de continuidade e permanência desse estado das coisas. A recomendação antiga segundo a qual quem quer a paz deve estar preparado para a guerra nunca foi tão atual.
O verdadeiro inventário realizado pelos autores da presente obra oferece referências seguras para os responsáveis pelo planejamento da Defesa e Segurança Nacional nas esferas do governo e do Estado, e constitui, também, um esclarecedor roteiro para os estudiosos da arte que acompanha a caminhada da humanidade, e que não dá sinais de que vá abandoná-la tão cedo.
Imagem de capa: Batalha do Riachuelo, Palácio Pedro Ernesto.
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