skip to Main Content

por , especial para o LiceuOnline.

Por Sofia Corso*, especial para o LiceuOnline.

Desde que eu era criança, recordo-me de conviver com a claustrofobia, seja observada como transtorno clínico – odeio lugares fechados –, ou metaforicamente – o pavor de sentir-me encurralada em discussões ou situações constrangedoras. A claustrofobia é um transtorno psicológico de origem traumática ou de ansiedades ocasionadas de fatores ambientais ou biológicos, que leva o corpo a uma situação de estresse, causando taquicardia, pânico, boca seca, etc. Segundo alguns estudos, acredita-se que entre 20% a 25% da população mundial possui algum tipo de fobia, sendo a claustrofobia a mais comum. Por isso, não é de se estranhar o cinema, linguagem hábil no trato de emoções-limite, explorar essa condição tão humana.

Não existe, propriamente dito, uma definição para o que eu estou chamando de “filmes claustrofóbicos”. Se colocarmos o termo no Google, acharemos filmes relacionados com a definição patológica de claustrofobia, representados em filmes de terror e suspense em que a pessoa fica presa dentro de uma gaveta no necrotério ou é soterrada num calabouço escuro onde existem monstros terríveis à espreita, ou mesmo enterrado vivo como Ryan Reynolds no filme Buried (2012). Não me refiro a esses filmes em que o medo é colocado como agente motivador, nos prendendo ao desfecho de um possível alívio do personagem sair daquela situação.

O que quero dizer com “filmes claustrofóbicos” são aquelas produções cinematográficas que se passam em apenas um cenário, com poucos personagens e que o conflito evolui de banal e cotidiano, para uma discussão complexa e intensa. Se trata de uma claustrofobia metafórica. Filmes assim, tendem a colocar os atores no limite da interpretação. Sem ajuda de efeitos especiais ou CGI. Apenas você, o diretor e os atores.

A relação com os personagens se torna intima, pessoal, particular. Não é o medo que te envolve, mas o conflito, a atmosfera do filme articulada com a estética proposta pelo diretor para fazer envolver o espectador com esse ambiente claustrofóbico. Filmes assim, geralmente não apresentam nenhuma pirotecnia cinematográfica, mas a simplicidade de atuações complexas. O espectador se encontra no personagem, transformando em imagem e narrativa, sentimentos inomináveis.

Henry Fonda em 12 homens e uma sentença (1957) é um bom exemplo disso. O filme todo se passa dentro de uma sala pequena e apertada no que parece ser um calor insuportável. A fumaça incessante do cigarro reforça a vontade de querer sair daquela sala. Na medida que os homens vão ficando mais agitados, o cenário parece cada vez menor, desenvolvendo um sentimento estético alegórico entre o sentimento dos homens e o ambiente que se encontram.

Henry Fonda interpreta o jurado que desencadeia toda essa tensão levantando questionamentos aparentemente simples, que levam a questões mais complexas sobre o psicológico de cada personagem ali posto e como que os problemas pessoais de cada um, levam a condenar um garoto à pena de morte pelo (possível) assassinato do pai. Até resolverem e entrarem em consenso, os homens não podem sair da sala. A impaciência dos personagens gera um desconforto no espectador. E se por um lado, na medida que o conflito se agrava, a sala parece cada vez menor, por outro, na medida que os homens vão entrando em acordo, a sala apresenta-se mais arejada.

Cena: 12 homens e uma sentença, Sidney Lumet, 1958.

Creio que colocar a simplicidade cotidiana em narrativas complexas, seja um dos maiores desafios da arte. A construção poética do simples (“apenas” um cenário, poucos personagens) para falar sobre fúria, desejo, amor, remorso, culpa, colocam o recurso linguístico da claustrofobia como um artificio que funciona. Eu como uma pessoa claustrofóbica, me sinto hipnotizada por filmes assim. Eles me colocam de encontro com as minhas emoções e efetua um elo psicológico com os personagens. Entrar na intimidade de um personagem, como um voyeur empático, é uma das experiências mais incríveis que a arte pode nos proporcionar.

Como coloca Christian Dunker, em seu artigo A empatia como experiência estética,

Os limites de nossa capacidade de empatia são também os limites de nossa experiência de linguagem, de nossa forma ótica e mais ainda, de nossa própria condição”.

Nesse sentido, a arte atua de forma terapêutica em nossa subjetividade. Filmes como esse merecem uma atenção especial, são aulas de empatia, de estética, de rompimento de fronteira dos limites das nossas fobias.

 

Algumas indicações de filmes que seguem essa estética:

 

 

*Sofia Corso é Historiadora e Mestra em História pela Universidade Federal de Goiás, com pesquisas nas áreas de História da Arte, Arte e Psicanálise. Estudante de Artes Visuais e professora de História da Arte na rede privada de ensino. Apaixonada por cinema e literatura.
lattes: http://lattes.cnpq.br/5155298987614721

Sobre o(a) Autor(a)

Publicado no Liceu Online por:

Edição - Liceu Online

Revista online de Humanidades. @liceuonline

Comentários...

This Post Has 4 Comments

Deixe um comentário para Cristian Junior Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia também...

Back To Top