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por Michelle Lira Rodrigues Santos, especial para o LiceuOnline.

No longa de animação “A Viagem de Chihiro” do escritor e diretor Hayao Miyazaki lançado em 2001, Chihiro é uma jovem criança e seus pais são obrigados a se mudarem para outra cidade. Durante a mudança seu pai, decide tomar um atalho para economizar tempo, porém, acabam se perdendo e chegando em um edifício com um estranho túnel no centro. Ainda que Chihiro se negue a entrar, seus pais insistem em seguir túnel adentro. Do outro lado, descobrem um povoado aparentemente abandonado; a família opta em explorar o lugar e acabam encontrando um restaurante que decidem parar para comer. Chihiro deixa-os para continuar investigando. Quando começa a anoitecer um misterioso jovem chamado Haku aparece e ordena que Chihiro saia do lugar antes que anoiteça completamente.

Chihiro corre em busca dos pais, enquanto pouco a pouco a cidade vai ganhando vida: os postes acendem e aparecem uma variedade de espíritos. Ao chegar ao restaurante, Chihiro descobre que seus pais se tornaram enormes porcos. Aterrorizada, a jovem foge e começa a se dar conta que está ficando transparente. Haku, que aparece novamente, diz que para ela não desaparecer deve comer algo deste mundo e lhe oferece uma baga.

Depois disto, leva-a secretamente a uma casa de banhos termais em que deve aceitar um trabalho antes que possa ajudá-la a escapar. Mas, quando a Yubaba, a bruxa dona da casa termal, oferece a permanência a Chihiro, roubando o seu nome e se tornando Sen, que é parte do seu nome japonês. Percebemos que o nome é mais que um mero substantivo, pois, ao ter o nome roubado pela a Youbaba, os funcionários se esquecem de quem são e da onde vem, o que os aprisionam naquela realidade. Isso se dá segundo Benjamin no seu livro “Sobre a linguagem em geral e a linguagem dos homens” (2013), por causa do sentido da linguagem que não é apenas aquilo que é comunicável. Em primeiro vem o simbólico e em segundo vem à comunicação. Assim, a palavra, a linguagem ou a língua tem como meio e como carga uma tonalidade afetiva com uma essência espiritual, que se comunica de uma forma em que as semelhanças entre elas e a natureza se dão nos nomes próprios.

E toda a linguagem é a tradução de uma outra linguagem que é a “linguagem da natureza”. E por isso, que a tradução e revelação, destruição e expansão, estão entrelaçadas numa dinâmica que para Benjamin permeia a origem (BENJAMIN, 2016: p.36) assim como também permeia a necessidade de nomeação que a linguagem dos homens possui. Portanto, quando o salvador da Chihiro, o dragão Haku, lembra o seu nome e não esquece o da jovem protagonista, eles se libertam de Youbaba e o local e suas origens de pré e pós história, são

reveladas. No caso de Haku, que é o deus do rio, e no caso de Chihiro as lembranças sobre os seus pais e a sua relação com o Haku.

Dito isto, também é preciso entender sobre a cidade em que acontece a animação, pois a arquitetura é de um Japão, que está se rendendo as modernidades ocidentais, na medida em que o seu passado imperialista coexiste e resiste de forma quase nostálgica no material da cidade, que também é ao mesmo tempo atrasada.

E, essa arquitetura, passa a funcionar não só como uma vitrine dos tempos, pois é nela que o passado e presente disputam espaço no material e no imaginário daqueles que respiram e vivem esse tempo que é moderno. Uma vez, que ele vai determinar quem deve ser visto ou não. Pois isso está para além do projeto e do desenho arquitetônico, desvendando aquilo o que se apresenta de modo cru, nos conjuntos de elementos que se apresentam nos fenômenos e mobilizam a vida e a história. E este se relaciona com o fragmento de uma elaboração micrológica benjaminiana, cujo é preciso fazer uma aproximação dos fenômenos com o que é imediato para entendermos a história pelo ponto de vista da epistemologia, que está em diálogo aqui com é empírico, carregado de continuidade e descontinuidade sedimentadas no material.

E o mais interessante, disso ,é que quando pensamos nas imagens que essas “passagens” provocam e produzem, as narrativas imagéticas estão sobrepostas de tempo e narrativa, que na animação se torna perceptível pela forma como a própria Chihiro e os funcionários perdem a noção de tempo e espaço, e não sabe mais onde está, quanto tempo está lá ou quem é antes de estar lá. Pois, isto, está construído no ato da narração como linguagem e imagem se confundem no presente.

A viagem de Chihiro reflete a arte e a política, assim como Walter Benedix Schönflies Benjamin (1892-1940), de forma crítica e redentora na mesma medida que a modernidade também está no mesmo caminho paradoxal. Com estéticas e epistemologias conflitantes que permeiam a linguagem, o método empírico e o imediatismo, de modo, que as “imagens narrativas” são as melhores possibilidades diante dessas quebras de tradições e experiências pobres que beiram a anestesia. E mesmo que Benjamin tenha sido uma das pessoas mais versáteis do século XX passando de ensaísta a filosofo e crítico literário. Se associou a Escola de Frankfurt e à Teoria crítica em momentos difíceis de sua vida, uma vez, que era judeu em uma Europa tomada pelo antissemitismo. Mas ao mesmo tempo é difícil dizer que ele é um perfeito personagem “canônico” desse processo.

Referências Bibliográficas 

BENJAMIN, Walter. Origem do drama trágico alemão. Trad. João Barreto. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.

____. Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem do homem. In: Escritos sobre mito e linguagem. 2 ed. Tradução: Susana kampff Lages e Ernani Chaves; prefácio: Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Editora 34, 2013.

Sobre o(a) Autor(a)

Michelle Lira Rodrigues Santos

Historiadora, mestranda em um drama, que as vezes pode ser Barroco.
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