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por Jéssica Fernanda de Sousa, especial para o LiceuOnline.

Em 1850, José de Alencar publicou na revista Ensaios Litterarios, da qual foi um dos fundadores, “O estilo na literatura brasileira”. Neste artigo, identificado como o primeiro de uma sequência que não foi continuada, o jovem José Martiniano expressou o desenvolvimento intelectual ao qual se dedicou no período em que residiu em São Paulo, enquanto estudante de direito na faculdade do Largo de São Francisco. Em Como e porque sou romancista (autobiografia redigida em 1873), o autor recordou desse período marcado por tardes de recolhimento voltadas à leitura de Balzac, Dumas, Vigny, Chateaubriand e Hugo, pelo estudo da língua francesa, tradução de poemas byronianos e escrita de versos rimados de próprio punho nas paredes da república estudantil onde vivia, assinados como Byron ou Lamartine (Alencar, 2025, p. 32).

 

“O estilo na literatura brasileira” trata da forma ideal para a composição da literatura nacional. Alencar iniciou seu argumento com o significado da palavra: “é a reflexão, o eco do pensamento” (Alencar, 1850, p. 34). Na perspectiva do autor, a palavra empregada por um poeta competente em seu ofício oferece vantagens ao estilo. Segundo Alencar,

 

[…] o bonito estilo […] favorece muito a compreensão, e fácil inteligência das ideias. – Quando lemos uma obra escrita em lindo estilo, em dicção pura e corrente o espírito parece que se abre espontaneamente sem esforço e sem meditação à percepção do pensamento, às aspirações do sentimento: – a imaginação se embala deliciosamente na cadência da frase; e as ideias revestidas dessa fórmula encantadora, dessa auréola de palavras belas e sonoras se gravam com maior facilidade na memória, e mais custam esquecer (Alencar, 1850, p. 34-35).

 

De acordo com Alencar (1850, p. 35), o mais belo estilo em língua portuguesa floresceu no século XV, “o tempo de mais brilhantes glórias literárias para Portugal”, sendo o “estilo quinhentista […] o verdadeiro, puro e clássico da língua portuguesa”, antes da degeneração do idioma causada pela invasão moura à Península Ibérica, enquanto favorecido pelo “cultivo das línguas clássicas” através da Universidade de Coimbra e de autores como Luís de Camões, Diogo Couto e João de Barros. Enquanto refletia sobre a literatura de língua portuguesa do passado, Alencar se queixou de sua geração: “Não somos estudados nesses clássicos de nossa língua, quanto era de nossa vontade para os analisarmos especialmente no seu estilo” (Alencar, 1850, p. 35).

 

Através da leitura dos mestres que escreveram sobre os quinhentistas, dos quais citou Filinto Elísio (Arte Poética) e Almeida Garret (História da Língua Portuguesa), Alencar pôde “colher do estilo da literatura do 15° século a sua feição geral, seus tons e cores locais, e sua expressão pura e genuína, e essa solenidade clássica que lhe dá cunho de nacionalidade” (Alencar, 1850, p. 35).

 

Segundo Alencar, os quinhentistas, que desenvolveram o estilo clássico na língua portuguesa, tornaram-se mestres, ao nível dos grandes referenciais gregos e latinos. Entretanto, o estilo “lento e truncado”, característico da literatura desse período, tornou-se datado, dificultando sua aplicação ao “estilo moderno” de meados do século XIX. José de Alencar (1850, p. 35) notou na literatura de sua época “uma fluidez, uma elasticidade admirável”, em que “a frase corre solta com o pensamento, e se expande em toda a sua força de expressão, em todas as suas linguagens: – a imaginação se retraça [sic] ao vivo cismas e enlevos na vivacidade, na animação da frase moderna”.

 

Comparando a literatura de sua época e o estilo quinhentista, José de Alencar compreendeu que, no século XIX, o tempo, os escritores e o público eram outros. Desse modo, a poesia devia se adequar ao fluxo natural das transformações (Alencar, 1850, p. 36). Assim como Alencar reconheceu a pureza do estilo quinhentista, belo em seus versos breves e concisos, de frases soltas e escrita de “solenidade sublime”, compreendeu que a literatura coetânea ansiava por outras formas de expressão. Anos depois, em “Benção paterna” (1872), Alencar diria que a literatura de seu tempo estava sendo escrita para viajantes de trem em alta velocidade, sem pausas para apreciar um banquete literário. Em suas palavras: “Não se prepara um banquete para viajantes de caminho de ferro, que almoçam a minuto, de relógio na mão, entre dois guinchos da locomotiva” (Alencar, 2025, p. 494).

 

Apesar dessas diferenças, para Alencar, em sua época, o estilo quinhentista continuava sendo adequado para a composição de crônicas históricas, pois “os contrastes” entre as formas de expressão modernas e longínquas concederiam naturalidade e encanto às obras de caráter histórico, dentre elas aquelas de temática indianista (Alencar, 1850, p. 36).

 

“O estilo na literatura brasileira” terminou de modo brusco, com um elogio aos Quadros Históricos de Feliciano de Castilho, um exemplo do estilo clássico aplicado à literatura coetânea. A continuação indicada após a assinatura de Alencar não veio, mas a validade desse texto, um dos primeiros ensaios publicados pelo futuro patriarca das letras nacionais, permanece no sentido de que foram impressas nessas páginas o pensamento crítico do jovem Alencar acerca da literatura nacional, baseado na experiência intelectual que adquirira nos primeiros tempos de sua formação acadêmica, anos antes de ter seu nome consolidado como literato e décadas antes de ser consagrado “chefe da literatura brasileira”.

 

Para saber mais:

 

ALENCAR, José de. O Estylo na Litteratura Brasileira. Ensaios Litterarios, v. 2, São Paulo, 1850.

COUTINHO, Afrânio (org.). José de Alencar: obra completa. v. 1. 2. ed. São Paulo: Editora Nova Aguilar, 2025.

GARMES, Hélder. O romantismo paulista: os Ensaios Literários e o periodismo acadêmico de 1833 a 1860. 1. ed. São Paulo: Alameda, 2006.

 

Imagem de capa: José de Alencar, Editora Landmark; Ensaios Litterarios, Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional. Montagem feita por ChatGPT.

Sobre o(a) Autor(a)

Jéssica Fernanda de Sousa

Graduada em História pela Universidade Federal de Goiás e mestranda em Estudos Literários na mesma instituição. Desenvolve pesquisas nas áreas de História do Brasil Imperial, Literatura e Teatro Oitocentistas, com foco na obra de José de Alencar.
Publicado no Liceu Online por:

Gabriel Roberto Caixeta

Edição - Liceu Online

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