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por Douglas de Castro Carneiro, especial para o LiceuOnline.

Sêneca nasceu por volta de 01 a.C. em Córdoba, capital da província da Bética, ao sul da Hispânia. Esse local foi atestado pelo jovem Marcial, seu conterrâneo, e pelos escritos de seu pai, Sêneca, O velho (53 a.C.-39 d.C), vindo a óbito no ano de 65 d.C. Três grandes autores escreveram sobre Sêneca e o contexto que foram produzidos suas obras: Cornélio Tácito (56 d.C-120 d.C), Caio Suetônio Tranquilo (69 d.C.-114 d.C) e Dion Cassio(154 d.C-234 d.C).

Romano, dono de uma riqueza substancial e de posição social, provavelmente suas principais riquezas foram suas propriedades agrícolas situadas à margem do rio Guadalquivir, repleta de oliveiras e vinhas. Embora Sêneca tivesse envolvido em um círculo social e familiar prestigiado, os estudos de Paul Veyne (1996) e Catherine Star(2017) indicam que ele demorou a ascender ao cargo de questor, já que teria vivido muito tempo na província do Egito para tratar de problemas de saúde (SÊNECA. Cartas a Lucílio, Ep. 78, 1-4).

Sêneca permaneceu no Egito entre 16 d.C a 31 d.C. Não se sabe ao certo, porque o tio de Sêneca, Lucio Galério, prefeito no Egito, precisou deixar rapidamente esse território. Sugere-se que a família de Sêneca teria sido beneficiada com seus laços com Sejano, o poderoso chefe da guarda pretoriana de Tibério em Roma, e isso pode ter significado o fim da aliança com Sejano. Sabemos que os conflitos políticos vinculados a diversos grupos aristocráticos ampliava o clima de terror, com certa frequência criava-se um imaginário de conspirações.

Se nos detivermos às obras senequianas, veremos em seus tratados, missivas e tragédias (como por exemplo Agamêmnon e Troianas), uma cultura de medo no poder político, indicando dessa forma, uma possível instabilidade institucional no sistema imperial.

Para Carlos F. Noreña (2009, p.269), certamente o imperador era o símbolo mais conspícuo do poder imperial em Roma. O pensamento político romano, deveria ser caracterizado, portanto, devido a uma convergência das linguagens políticas e éticas, no desenvolvimento de um vocabulário articulado que incluía não somente a figura do imperador, mas também da aristocracia.

Seguindo essa argumentação podemos supor, embasados nos estudos de Mathew B. Roller (2001, p. 150), que a aristocracia romana constituía uma pequena comunidade em que a maioria dos seus membros se conhecia, que as relações eram construídas com base nas trocas sociais tão comuns naquele momento e nos círculos sociais. Ou seja, o imperador governava o vasto império romano em meio a uma ampla gama de relações de conflitos que muitas vezes justificava, ou não, a permanência dos governantes durante muitos anos.

Nessa espacialidade de conflitos, em 41 d.C., no governo de Cláudio, acusado de uma intriga amorosa com Júlia Lívila, Sêneca foi a princípio sentenciado à morte; mais tarde, a pena foi revertida para o exílio na ilha de Córsega (KAMP, 1965). Estando em exílio, Sêneca escreveu A Consolação para sua mãe Hélvia, pois queria consolá-la, já que se encontrava devastada com sua punição.

Para aqueles que não puderam acompanhá-lo, assim como a sua mãe, restaram as dores da ausência, da desonra e do desprezo público (GONÇALVES, 1997, p. 150). Na percepção de Ana Teresa Marques Gonçalves, o momento do exílio para Hélvia não fora somente pela ausência do seu filho, mas, sobretudo, pela desonra que o filósofo fora submetido naquele momento. Para Liz Gloyn (2017, p.142), o conhecimento de Sêneca sobre os meandros da política imperial lhe permitiu articular a filosofia estoica em seus escritos, construindo uma visão indireta do imaginário imperial.

As políticas familiar e matrimonial, levaram ao longo dos anos, à constituição de certo número de potenciais herdeiros desejados e indesejados. É importante lembrarmos que o filósofo atuava no conselho do Princeps, e estando com Burro, prefeito do Pretório, participou do governo de Nero até meados de 62 d.C. Mirian Griffin (1982, p.82), sustenta que:

A crise de Agripina entre os anos de 55 d.C. a 59 d.C. enfraqueceu a posição de Sêneca e de Burro junto ao imperador, acrescido à morte de Burro. Sêneca, então, solicitou a Nero a permissão para se retirar da vida pública. Após a morte de Agripina, o imperador recebeu a influência de Tigelino que provavelmente sucedeu o irmão de Sêneca na prefeitura que ocupava.

Esse cenário político nos leva a pressupor acerca da existência de manobras faccionais que caracterizavam a política na Res Publica, “na medida em que grupos aristocráticos se mobilizavam para alcançar a carreira de senador (cursus honorum), ganha honra e glória familiar” (SHOOTER, 2005, p. 40). Portanto, verifica-se que na política imperial, os aristocratas, libertos e familiares negociavam seus espaços de atuação. Por isso, bases documentais de Tácito, por exemplo, indicam conspirações contra os imperadores. Na conspiração de Pisão, Nero acusa Sêneca de crime de lesa-majestade, condenando-o ao suicídio (CARDOSO, 2005, p. 5). Na sequência o historiador Tácito chama a atenção de seus leitores sobre a morte de Sêneca:

Ao ouvir isto Sêneca requereu sem perturbar, que o deixasse concluir o seu testamento; mas como o centurião lhe recusasse, voltando-se então para os amigos, disse-lhes que proibiam de testemunhar o seu reconhecimento, uma coisa enfim sempre lhe deixaria, a única e a mais bela que tinha, a qual era o exemplo de toda a sua vida. […] Assim que articulou estas e outras razões, como dirigidas a todos os circunstantes, abraçou sua mulher; e procurando animá-la pelo doloroso estado em que via encarecidamente lhe rogou moderasse a intensidade da sua dor e na contemplação de quantas belas ações tinham ilustrado as suas vidas virtuosas. Sêneca entrou por fim em um banho de água quente, e espargindo com elas os escravos que estavam  mais próximos. Mergulhado no banho o vapor o sufocou e sem funeral e sem pompa foi queimado em seu corpo conforme as vontades do testamento, que havia feito e tempo ainda da sua maior riqueza e fortuna. (TÁCITO. Anais, XV, 62- 64)

Nos capítulos 62 a 64 dos Anais, Tácito usou elementos retóricos e literários para reconstituir a morte de Sêneca, em especial o que ficou conhecido como “boa morte”. No estudo apresentado por Allan Kellehear (2006, p. 80), intitulado Uma História social do morrer, fundamentalmente a “boa morte” servia para os antigos como um rito de passagem das responsabilidades e expectativas morais de uma comunidade. Conforme Ron M. Brown (2001, p. 40), as concepções de morte voluntária nos trazem diferentes interpretações e são adicionadas e complementadas aos termos originais. Eles podem ter uma significação moral e intelectual ou estarem relacionados a um conceito resultante de nossos medos e ansiedades mais íntimos ou de curiosidades mórbidas, sendo um significado coletivo e marginalizado. Consideramos, o momento em que vivemos, em uma pandemia que afeta a todos nos mais adversos aspectos ter contato com a obra e a vida de Sêneca, nos faz refletir sobre a brevidade da vida.

Considerações Finais

Viver em um país onde impera uma pandemia, o negacionismo, o desrespeito pelas instituições democráticas fez-me voltar os olhos a obra do filósofo e teatrólogo: Lucio Aneu Sêneca ou (Sêneca O jovem). Acostumado a viver nos requintes da domus imperial, este foi testemunha ativa da ascensão da dinastia Júlio-Cláudia (27 a.C-68 d.C). Exilado após acusação de intrigas amorosas(produz boa parte de suas obras neste momento). Retoma a vida na cidade de Roma, onde se torna mentor do jovem imperador Nero. Após participação importante na formação moral e intelectual do princeps, este por ordem direta comete a “morte voluntária” vindo a óbito no ano de 65 d.C. Sua obra e seu legado, nos faz refletir sobre a importância de como devemos viver nossas vidas com resiliência e serenidade; A morte é um tema frequente e deveria ser tratado como algo natural, inerente a vida, uma vez que todo o tempo da vida humana que ficou para trás, faz parte do domínio desta, importando apenas viver de forma substancial o presente- presença da tópica do Carpe Diem– uma vez que se considera o futuro seja fonte dispensável de angústias e a vida segue um fluxo natural. Por isso, convido os leitores a conheceram a obra deste importante filósofo que nos faz refletir sobre nosso tempo presente.

 

Imagem de capa: The Death of Seneca, Manuel Dominguez Sánchez, 1871.

 

 

REFERÊNCIAS

SÊNECA, L. A. Cartas a Lucílio. Tradução, prefácio e notas de J. A. Segurado e Campos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2014.

TÁCITO. Anais. Prefácio Breno Silveira. Trad. José Liberato Freire de Carvalho. São

Paulo: Brasileira, 1957.

OBRAS GERAIS

BROWN, R. M. The art of suicide. London: Reaktion Books, 2001.

CARDOSO, Z. A. Estudos sobre as Tragédias de Sêneca. São Paulo: Alameda, 2005.

FRYE, N. Crítica arquétipica dos mitos. In: FRYE, E. Anatomia da Crítica. Tradução Péricles Eugênio da Silva. São Paulo: Cultrix, 1973. p. 133-235.

GLOYN, L. The Ethics of Family in Seneca. Cambridge: Cambridge University Press, 2017.

GONÇALVES, A. T. M. Crimes e Punições na Fedra de Sêneca. Cultura Vozes, Petrópolis, v. 91, n. 2, p. 148-160, 1997.

GRISÉ, Y. Le suicide dans la Rome antique. Montreal: Bellarmin; Paris: Les Belles Lettres, 1982.

GRIFFIN, M. Seneca: A Philosopher in Politics. Oxford: Clarendon Press, 1982.

KAMP, H. W. Concerning Seneca’s Exile. Classical Journal, v. 30, n. 2, p. 101-108, Nov. 1965.

KEANE, C. Figuring genre in Roman satire. Oxford: Oxford University Press, 2006.

KELLEHEAR, A. Uma história social do morrer. São Paulo: UNESP, 2016.

LEBOUEF, M. The power of ridicule: na analysis of Satire. Senior Honors Projects. Paper 63, 2007. Disponível em: http://digitalcommons.uri.edu/srhonorsprog/63. Acesso em: 22 jan. 2021.

NOREÑA, C.F The Ethics of Autocracy in the Roman World. In: BALOT, R(ed) A companion to Greek and Roman Political thought. Oxford: Blackwell, 2009, p.266-279.

OMENA, L. M.; FUNARI, P. P. Experiências sociais da morte: diálogos interdisciplinares. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2017.

ROLLER, M. B. Constructing Autocracy: Aristocrats and Emperors in Julio Claudian Rome. Oxford: Oxford University, 2001.

SANCHES, C. M. Phonissae de Sêneca: Um estudo introdutório, Tradução e Notas. 2012. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Estadual Paulista, Araquara, 2012.

SHOOTER, D. Nero. Oxford: Oxford Univertsity, 2005.

STAR, C. Seneca: Undestanding the Classics. Chicago: I. B. Taurus, 2017.

VEYNE, P. Séneca y el Estoicismo. Traduccíon Mônica Ultrilla. Ciudad del Mexico: Fondo de Cultura Econômica, 1996.

Sobre o(a) Autor(a)

Douglas de Castro Carneiro

Doutor pelo programa de pós-graduação em História (Universidade Federal de Goiás), na área de concentração: Culturas, Fronteiras e Identidades e na linha de pesquisa: História, Memória e Imaginários Sociais.
Publicado no Liceu Online por:

Edição - Liceu Online

Revista online de Humanidades. @liceuonline

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