Muito pior que a pandemia é o que não aprendemos com ela. A falta de educação, o déficit educacional e de aprendizagem, o negacionismo científico, a empáfia do “achismo” irresponsável que condenou milhares de cidadãos à morte, sob argumentos explícitos de desprezo pela vida do outro, a falta de empatia, regido pela batuta do discurso religioso e do castigo divino.
As históricas feridas e as vergonhas nacionais se abriram ainda mais, exalando o fétido odor do abandono e a parvoíce triunfante. A educação mundial, foi impactada e se viu obrigado a passar por mudanças radicais do dia para noite. Além da exclusão, também digital — mundialmente, a cada 3 alunos, 1 — dos já excluídos, a grande preocupação com os discentes e seu processo de aprendizagem, foi o escopo constante durante a pandemia — além de novas preocupações que foram surgindo pelo caminho —, o que é justificável e exigiam ações rápidas que minimizassem ao máximo esse impacto social, econômico, educacional e psicológico, cabendo aos professores, a responsabilidade e a condução desse movimento. Contudo, as aulas remotas revelaram muito mais que uma alternativa, tornou-se objeto de reflexão, a partir do momento, que o professor tornou-se um espectro, invisível.
O nível de empatia, deferência e o apoio dispensado aos professores, por parte de alguns — diretores, alunos, pais, sindicatos — foi algo oprobrioso. A começar, pelo não envolvimento dos educandos durante as aulas, sempre, em grande parte, distantes, camuflados e ferrenhos no pleno exercício do direito de reclamarem, salvo raríssimas exceções.
Tornou-se um ultraje para os educandos, pais e dirigentes empresariais de atividades escolares, implorar-lhes, para que ligassem a web cam de seus respectivos aparelhos durante as aulas, tornou-se um gesto por parte dos professores, de vitupério. Motivo de advertências e ameaças de demissão, para o profissional que o fizesse, sob o impropério de que os professores “estavam constrangendo os educandos”. Direito pleno do aluno e usurpado do professor fantasma.
Entendo, em parte, que se é direito do mais interessado em assistir a aula com a câmera desligada, deveria ser também, direito do mais necessitado. Na verdade, na maioria das vezes, não houveram aulas, houveram longevos e enfadonhos monólogos, para os “você sabe com quem está falando?” Os estudos antropológicos de Roberto da Matta, revelam e explicam. Com raríssimas exceções — que fique claro —, “as telas sempre escuras”, nunca responderam aos inúmeros: “bom dia, boa tarde, boa noite, como vocês estão, alguma dúvida? até amanhã”, etc., dos incansáveis professores, alguns alunos, nunca tiveram a hombridade de abrirem o microfone para um cumprimento, uma reciprocidade, numa demonstração mínima de educação, princípios elementares, ainda que tacanha, em um cenário quase mediúnico: “fulano, você está aí, manifeste-se”!
Não obstante, eram ágeis nas interlocuções conspiratórias, para tecerem críticas infames às aulas que não assistiam e nunca interagiam, das metodologias as quais se quer percebiam, mesmo nunca se fazendo presentes — ainda que estivessem, imersos na invisibilidade espiã. Alguns, se aproveitando do falso “anonimato” da câmera e do microfone, desligados, para ao menos, demonstrarem o interesse que nunca tiveram e a empatia pelo professor explicitado um pouco mais na pandemia, ignorando o saber, o conhecimento, típico de um país, em que as instituições escolares e seus responsáveis legais, legitimam comportamentos constrangedores, afirmando que “não poderiam exigir que o cliente abra a câmera durante às aulas, para não constrangê-los, para não contrariá-los, para que não saiam e os professores, não percam seus respectivos empregos”. Realmente, se “o povo armado, jamais será escravizado” o povo ignorante, já o é. “Ser culto para ser livre”.
Assistimos um conluio deplorável, uma rede de cumplicidade e a uma inversão de valores generalizada e constrangedora. É no mínimo incômodo, perturbador e notório, a total falta de interesse em assumirem responsabilidades, atribuindo o fracasso da educação brasileira ao professor, isentando os demais envolvidos no processo de qualquer compromisso com a questão, o ensino remoto durante a pandemia, desvelou outra realidade, a falta de empatia, pelo professor fantasma, real e presente, apenas os alunos que nunca estavam lá. Para muita gente, foi necessária uma pandemia, para perceberem a importância da escola e a valorização da educação — não como depósito dos filhos indesejados — mas, o papel desempenhado pelo professor nesse embate e nesse processo.
O escárnio durante a pandemia por parte de algumas ilibadas autoridades públicas, gestores de negócios educacionais, ao zurrarem que os professores “não estavam trabalhando ou não queriam trabalhar”, “vagabundos” e oportunistas de plantão — na sonora estupidez de alguns políticos, justiça seja feita, o deleite do ignorante, reside na sua limitada capacidade cognitiva. Realmente, esse isolamento, não ensinou muito, mas, contribuiu para tirar as máscaras, dos já mascarados, sem trocadilhos.
Porém, talvez, a grande lição que fica, será para os fervorosos defensores do modelo educacional homesschcooling. O isolamento social, obrigou muitos genitores/as, a serem pais e mães, por algum tempo, tiveram que interromper a terceirização dos filhos. Obrigou alguns reprodutores/as, a fazerem o que nunca fizeram: família de verdade, acolhe, respeita, ama, cuida e protege. Reunir apenas aos fins de semana para irem à igreja, me parece muito mais um sentimento de culpa ou medo, que amor à Deus. A escola e os professores, sempre assumiram papéis, que seriam dos pais. O isolamento, evidenciou uma realidade lamentável, alguns pais, não aguentam, não suportam os próprios filhos, suas crias, não conseguem auxiliá-los numa atividade de alfabetização, e arrotam empáfia — descrita nos estudos de Roberto da Matta — de que não precisam da escola e de seus reles professores. Intelectuais que estudam, se qualificam a vida inteira, para se ajoelharem aos pés da ignorância e de seus devotos. “São eles que pagam seu salário”, vociferam os cúmplices, quanto mais nossos clientes ignorarem-nos, melhores deverão ser nossas aulas, porque se eles saírem, perderemos nossos empregos no moedor de dignidade que fomentam uma educação instituída para não dar certo. Esse é o nível de barganha imposto ao ensino brasileiro, em que o fracasso triunfou, sobre um sistema controlado sob a égide da imposição de um discurso ora religioso, ora negacionista, ora de cortes e ataques sistemáticos ao conhecimento científico e aos professores.
A não valorização dos profissionais da educação é vexatória. Os empresários do ramo de administração de professores, empresas sem muito ou nenhum compromisso com a educação — finalidade é o lucro — então, as salas de aulas são necessariamente, superlotadas, salários e condições de trabalho cada vez mais precarizados, contemplando os interesses dos seus exigentes clientes, na base do quanto pior, melhor, sob os olhares omissos e negociáveis, dos órgãos fiscalizadores. Essa pandemia, eviscerou ainda mais essas mazelas da educação e da classe média brasileira, a marginalização dos profissionais da educação, os contínuos ataques à ciência, às universidades, o obscurantismo que tem invadido as direções escolares, numa histeria de estupidez assustadora.
Contudo, algo é inegável, muitos desses jovens clientes, são vítimas do abandono afetivo, intelectual de suas famílias de bem e a escola — novamente —, assume um papel que muitos pais se recusam, o de serem pais. Exigem uma postura do outro — professor — numa espécie de compensação do fracasso e das frustrações pessoais, concedendo carta-branca aos filhos, respaldados pelas mensalidades que compram e pagam tudo dentro do espaço educacional, inclusive, o respeito, a deferência. Uma passe-livre para fazerem o que quiserem, a geração que não pode ser contrariada e os soberbos agentes do “comércio do ensino”, avalizam suas condutas, confrontando o corpo docente, numa demonstração explícita de que valores basilares, defendem para a educação brasileira.
Portanto, por essa e por outras, que a grande lição da pandemia na educação, definitivamente, não foi a empatia, infelizmente. Até a próxima catástrofe, penso que essas posturas vergonhosas e kafkianas, continuarão sendo a garantia de empregos aos professores e às favas com os escrúpulos e a dignidade. Pelo atual marchar da carruagem, daqui a uns dias, intelectuais, professores serão dispensáveis na sociedade brasileira, as novas exigências para o mercado de trabalho, não serão mais os famigerados diplomas universitários — o critério agora é mentir no Lattes ou fazer arminha com as mãos ou ser de algum ramo de atividade religiosa, para o Ministério da Educação — como atestado de subserviência na condução de um sistema de educação laica e transformadora. Estou convicto, que não sendo possível conseguir sobreviver como professor, quem sabe, ocupando algum cargo público de primeiro escalão em alguma republiqueta das bananas abaixo da linha do Equador por aí.
Professor Fantasma
Não é pseudônimo, nem anonimato. É no que nos transformaram, persona non grata.
This Post Has 0 Comments